quinta-feira, 16 de abril de 2015

Maioridade penal?




Excelente texto do psicanalista Contardo Calligaris sobre a questão da maioridade penal. Ele se posiciona a favor de se extinguir "maioridades e minoridades" penais, valorizando a responsabilização por seus atos daqueles que sabem discernir entre o certo e o errado, além de escancarar a idealização alienada de parcela da população sobre a "pureza" da infância. Essa idealização prejudica o próprio amadurecimento do indivíduo, infantilizando seres que terão dificuldade de se tornarem adultos.

Maioridade penal?

Contardo Calligaris

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a constitucionalidade da proposta de diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Ela ainda será discutida em outra comissão especial antes de chegar ao plenário, mas já agita os espíritos.
Se você conta com essa mudança para que a repressão e a prevenção da delinquência juvenil sejam mais eficientes, melhor esquecer.
Neste caso, concordo com a Presidente da República: "Reduzir a maioridade penal não vai resolver o problema da delinquência juvenil".
Em suma, a proposta é inócua. E é possível que ela seja nociva: como lembrou Drauzio Varella (na Folha de 4 de abril), adolescentes encarcerados com adultos se tornarão rapidamente profissionais do crime, e serão arregimentados nas organizações que mandam na cadeia.
Hélio Schwartsman (na Folha de 8 de abril) também é contra a diminuição da maioridade penal e observa que a proposta aprovada é justificada por citações bíblicas.
Penso como ele: vamos deixar ao Estado Islâmico a iniciativa de políticas públicas decididas com base em textos sagrados. No fim de sua coluna, Schwartsman escreve que gostaria de ouvir "boas" argumentações a favor da diminuição da maioridade penal. Vou tentar.
Antes disso: alguns opositores da proposta acham que a única (e verdadeira) razão para a redução da maioridade penal seria a vontade de punir os adolescentes infratores e de se vingar deles.
Não vejo o problema: em geral, não acho que esta vontade seja necessariamente um sentimento vergonhoso.
Enfim, sou contra a redução da maioridade penal ou a favor dela? E redução de 18 para que idade?
Meu sentimento, desta vez, é radical: sou contra a existência de maioridades e menoridades penais, seja qual for a idade fixada.
Aqui, um parêntese: claro, para que alguém seja imputável, é preciso que seja capaz de fazer uma diferença entre o certo e o errado.
Também é lícito pedir que o amadurecimento cerebral (por exemplo, o desenvolvimento do córtex pré-frontal) garanta um mínimo de autocontrole. Mas mesmo esse requisito básico mereceria um longo debate, que talvez só seja possível resolver caso a caso.
Volto ao que me importa. A própria ideia de uma maioridade penal é um corolário da ideia de que a infância seja uma época diferenciada e merecedora de um tratamento especial, de modo que seja "mais feliz" do que a vida adulta.
As duas ideias, aliás, são coevas: prosperam desde o século 19.
No fim do século 18, quando perdemos a convicção absoluta de que a vida de nossa alma seria eterna, começamos a proteger e venerar as crianças, na esperança de que elas nos continuariam, seriam o remédio contra nossa mortalidade.
Logo, descobrimos o prazer de vê-las sempre saltitantes e despreocupadas, e decidimos que não seriam imputáveis juridicamente: seu sorriso, por mais que fosse um pouco besta, seria a imagem da "felicidade" de nosso futuro.
Essa mudança cultural poderia ter apenas melhorado a vida dos pequenos na nossa cultura. Mas não parou por aí: a partir da metade do século passado, a idealização da infância se tornou um desastre –para as próprias crianças, que não conseguem mais crescer, e para os adultos, que não param de regredir.
B., 10, indigna-se por ter que fazer seu dever de casa (que é irrisório, como é habitual, para não comprometer o sagrado jogo infantil). Ele esperneia e, já chorando de raiva, grita: "Eu sou uma criança!".
B. escolheu bem seu trunfo final. Sabe que os adultos não querem que ele cresça, mas desejam que continue brincando, numa caricatura repetitiva da infância encantada.
Ou seja, descobriu que os adultos idealizam a vida na idade dele, não a adulta. O problema de B. (mas duvido que ele se importe com isso) é que, por esse caminho, ele não tem como querer amadurecer.
As crianças ganharam uma relevância incrível por carregarem nosso futuro e resistirem contra nossa finitude. Por serem tudo o que nos sobra da nossa imortalidade (da qual duvidamos), as amamos como nunca na história foram amadas.
Mas é bom desconfiar dos amores excessivos. No caso, se amamos as crianças como ectoplasmas que garantiriam nossa sobrevivência, também as odiamos por ser fadadas a sobreviver à gente.
Esse ódio se expressa nas condutas que as condenam a viver numa infância sem fim, sem nunca se tornarem adultas.
Detalhe: a leniência com os "menores" é uma dessas condutas.



sexta-feira, 10 de abril de 2015

Cuba tenta atrair investimentos capitalistas




Cuba tenta atrair investimentos capitalistas para ressucitar o "projeto socialista".
Resta saber quem confiará nesse discurso de natureza contraditória, pois sem liberdade econômica e respeito aos contratos não há prosperidade sustentável...

Confira, a seguir, a reportagem sobre o evento


Estreante em cúpula, Cuba faz ofensiva a empresários

João Fellet - BBC Brasil

Estreante na Cúpula das Américas, Cuba está aproveitando a sétima edição do evento, que ocorre a partir desta sexta-feira (10) na Cidade do Panamá, para tentar atrair investimentos de grandes empresas e promover as oportunidades econômicas que se abrem com sua reaproximação com os Estados Unidos.
Chefiada pelo ministro cubano do Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro, Rodrigo Malmierca, a ofensiva tem como palco a cúpula de empresários que antecede o encontro entre chefes de Estado, no sábado.
Em discurso a presidentes de empresas no hotel Riu Plaza Panamá na última quinta-feira, Malmiera disse que Cuba vive uma "nova fase" no cenário econômico mundial.
"Nesta nova etapa, ampliamos nossa visão sobre o papel do investimento estrangeiro, reconhecendo-o como um elemento ativo e fundamental para o crescimento de determinados setores e atividades econômicas", afirmou o ministro.
Segundo ele, Cuba precisa de US$ 2,5 bilhões (R$ 7,7 bilhões) de investimentos estrangeiros para estimular um crescimento "que resulte em desenvolvimento, prosperidade e sustentabilidade para o nosso projeto socialista".
Para atrair esses recursos, ele diz que o Parlamento cubano aprovou recentemente um novo marco regulatório "que oferece garantias e incentivos aos investidores estrangeiros, estabelece regras claras e maior transparência".
O ministro afirmou ainda que delegações de empresários norte-americanos que visitaram Cuba recentemente constataram as possibilidades criadas pela reaproximação com os Estados Unidos.

Turismo

Malmiera falou à frente de uma projeção da praça da Catedral, uma das principais atrações turísticas de Havana. Ele apresentou o turismo como um dos setores mais promissores da economia do país e defendeu que os Estados Unidos ponham fim a "proibições absurdas", como a limitação a viagens de norte-americanos a Cuba.
O governo cubano estima que, com o fim das restrições, mais de 1 milhão de norte-americanos passem a visitar a ilha caribenha anualmente.
Durante a fala do ministro, o salão tinha a maioria de suas centenas de cadeiras ocupadas.
Terminado o discurso, ele recebeu aplausos discretos e, diferentemente de outras autoridades que haviam discursado antes, deixou o palco sem responder a perguntas.
A presença do ministro frustrou alguns empresários presentes. Até a véspera do evento, especulava-se que o presidente Raúl Castro pudesse falar em seu lugar.
Mesmo assim, a mensagem ressoou bem entre o público. Para José Antonio Llorente, sócio-fundador da Llorente & Cuenca,- consultoria de comunicação presente em 11 países e que tem entre seus clientes Repsol e Toyota, o discurso foi "muito construtivo".
"Não foi uma fala beligerante, como estávamos acostumados. Ele não veio aqui vender a revolução", diz Llorente.
Segundo ele, alguns de seus clientes estão muito interessados em fazer negócios em Cuba.
"Poucos mercados no mundo são tão fechados como Cuba, e quando uma companhia já está presente no mundo todo, essa é uma das melhores possibilidades para crescer".
Resta saber, diz ele, se "os fatos darão continuidade às palavras", ou seja, se Cuba de fato facilitará a vida dos investidores.
Carlos Cerdas, presidente da construtora costa-riquenha Meco, disse ter interesse em investir em Cuba (sua empresa já atua na Colômbia e em boa parte da América Central), mas afirma que analisará as novas condições oferecidas.
Ele se diz cauteloso com as regras fiscais, laborais e para introdução de máquinas em Cuba.
Presidente do Ceal (Business Council of Latin America, ou Conselho de Negócios da América Latina, em português), Ingo Plöger diz que há dois setores que oferecem oportunidades mais imediatas a investidores estrangeiros: turismo e a indústria de alimentos (Cuba importa boa parte de sua comida).
Outra aposta cubana que pode se mostrar vantajosa a empresários, segundo ele, é o complexo industrial do porto de Mariel. A reforma do porto, financiada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), foi executada pela empreiteira brasileira Odebrecht.
O Brasil, no entanto, tem tido participação discreta na cúpula dos empresários. Poucas companhias nacionais estavam presentes durante a fala do ministro, e apenas duas foram convidadas a integrar mesas de debates ao longo do evento: a Odebrecht e a empresa de tecnologia Stefanini.

Oportunidades de negócios

Na manhã de quinta-feira, a delegação cubana espalhou pelos corredores do hotel uma série de folhetos e catálogos listando oportunidades de negócio em Cuba.
Em reunião privada após o discurso, Malmierca entregou os catálogos a empresários norte-americanos e a representantes da Câmara de Comércio dos Estados Unidos.
Participantes do encontro disseram que ele serviu para que cubanos e norte-americanos trocassem informações sobre o estado das relações entre os países, impulsionadas pelo anúncio da retomada dos laços diplomáticos entre Havana e Washington em dezembro.
Apesar da reaproximação, o principal obstáculo entre os dois países continua em vigor, o embargo econômico norte-americano à ilha.
O presidente dos EUA, Barack Obama, já defendeu o fim do bloqueio, mas a medida depende do Congresso, hoje dominado pela oposição.
Em seu discurso aos empresários, Malmierca cobrou os legisladores norte-americanos a derrubar o bloqueio e exortou Obama a usar sua autoridade presidencial para "modificar outros aspectos do embargo que não requerem aprovação do Congresso".
Os temas deverão voltar a ser tratados entre cubanos e norte-americanos até o fim da cúpula. Na noite de quinta-feira, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, se encontrou com o ministro das Relações Exteriores cubano, Bruno Rodriguez, na reunião de mais alto nível entre representantes dos dois países em mais de meio século.
Para este sábado, está previsto um encontro entre os líderes de Cuba e EUA --Raúl Castro e Barack Obama-- durante um intervalo das negociações entre os presidentes dos países que participam da cúpula.


terça-feira, 7 de abril de 2015

Manobra fiscal irregular do Governo


Ministério Público considera crime manobras fiscais do governo federal

por Dimmi Amora – Folha de S.Paulo

As manobras fiscais realizadas pelo Tesouro Nacional com bancos públicos federais, conhecidas com 'pedaladas', foram consideradas crime e os responsáveis devem ser investigados.
É o que aponta relatório do procurador Julio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), que recomendou aos ministros do Tribunal o envio de cópia da investigação do órgão sobre essas manobras para que os procuradores criminais do Ministério Público Federal tomem providências necessárias para apurar a conduta de ministros, servidores e presidentes de bancos estatais.
A votação do processo das pedaladas está marcada para esta quarta-feira (8) e os ministros podem manter o entendimento da área técnica e do ministério público ou modificá-lo.
O entendimento dos técnicos do tribunal e do procurador é que dirigentes do Ministério da Fazenda, da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES descumpriram o artigo da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) que proíbe que bancos emprestem dinheiro a seus controladores. A Caixa e o BNDES são controlados pelo governo federal e não poderiam fazer empréstimos.
Para eles, desde 2009, o governo deixou de repassar a bancos públicos R$ 40 bilhões de verbas ao BB, Caixa e BNDES para pagamentos de despesas com o seguro-desemprego, Minha Casa, Minha Vida, Bolsa-família, crédito agrícola, PSI (Programa de Sustentação de Investimentos), entre outros. Esses bancos tiveram que pagar os compromissos com recursos próprios enquanto o dinheiro do governo não chegava, o que constitui um empréstimo, segundo o entendimento dos técnicos do TCU e do Ministério Público do órgão.
Como esses empréstimos são vedados pela LFR, eles também entenderam que houve crime de responsabilidade. Mas os crimes fogem da responsabilidade de apuração do TCU e, por isso, há a recomendação para que o MPF analise se investiga a manobra ou não.
A LFR prevê que, quem descumprir seus artigos, seja processado por Crime de Responsabilidade, que prevê a perda do cargo por até cinco anos, pagamento de multa entre outras punições. Além disso, os responsáveis também podem ter que responder por ato de improbidade, que prevê a devolução dos recursos que tenham sido desviados.
As manobras tinham o intuito de manter um superávit primário artificial na gestão passada da presidente Dilma Rousseff e foram abandonadas com a chegada do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em janeiro deste ano. A AGU (Advocacia-Geral da União) vem defendendo a tese de que não houve empréstimos.
Outra determinação do TCU que será analisada pelos ministros é a de que o Banco Central contabilize os R$ 40 bilhões como dívida pública, mudando os valores da dívida federal do ano passado.

OUTROS ATRASOS

Além dos atrasos referentes a programas que contavam com subsídios do governo federal, os técnicos também identificaram 'pedaladas' do Tesouro com recursos que deveriam ir para o INSS pagar aposentados e que deveriam ter sido repassados para os estados e municípios como compensação pela exploração de petróleo e para custear a educação básica.
Segundo o relatório, esses atrasos prejudicaram os estados e municípios já que reduziram suas receitas e, com isso, tornaram ainda menores os repasses da União para eles porque a divisão dos recursos federais é calculada de acordo com a receita de cada ente federativo.
Em relação a essas verbas, contudo, não foram determinadas mudanças na contabilidade e nem investigações do MPF. Mas o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, terá que prestar esclarecimentos ao TCU.
Além de Arno, o ministro do TCU José Múcio deverá acatar a recomendação dos técnicos e do MP de ouvir mais 13 autoridades do governo passado, entre eles o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho (que permanece no cargo) e o ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Nelson Barbosa (atualmente Ministro do Planejamento).
Caso o processo seja aprovado na quarta-feira, eles terão 15 dias para apresentar defesa pessoal em relação às irregularidades apontadas. Se as justificativas deles não forem aceitas pelos ministros, o TCU poderá multá-los e, se ficar comprovado que houve prejuízo ao erário, eles também podem ter que recompor os danos.
Em relação ao Crime de Responsabilidade, o Ministério Público Federal também terá que considerar que houve os empréstimos e apontar quem são os responsáveis pelo ato e iniciar um processo na Justiça que poderá ou não levar os responsabilizados à condenação.
O BNDES informou que o presidente não falaria sobre o tema. O Ministério da Fazenda informou que "o Tesouro Nacional não foi notificado formalmente pelo TCU". O Ministério do Planejamento e a Advocacia-Geral da União não responderam até o fechamento desta edição.



quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ataque de terroristas de esquerda mata promotor na Turquia


Promotor da Turquia morre em tiroteio entre polícia e terroristas

Tomado como refém, ele investigava morte de garoto pela polícia

Folha de S. Paulo, 1/4/15 – p. A14

Um promotor de Justiça da Turquia morreu após ter sido seriamente ferido enquanto era mantido como refém por militantes de um grupo de esquerda em um tribunal de Istambul nesta terça-feira (31).
O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, afirmou que o promotor morreu após ter sido ferido durante a troca de tiros entre a polícia e os sequestradores.
Os dois militantes que o haviam sequestrado foram mortos pela polícia, afirmou o chefe policial Selami Altinok.
"Como ouvimos disparos dentro da sala do promotor, nossas forças de segurança lançaram a operação", disse o chefe de polícia.
De acordo com o presidente Recep Tayyip Erdogan, a vítima foi atingida na cabeça e em outras partes do corpo.
Antes da ação policial, a Frente Partidária Revolucionária pela Libertação Popular (DHKP-C, na sigla em turco), organização de esquerda banida no país, publicou na internet uma foto na qual um sequestrador aponta uma pistola para a cabeça do promotor Mehmet Selim Kiraz.
Kiraz era responsável pela investigação da morte de um adolescente que ficou em coma por 269 dias.
Ele havia sido atingido por uma granada de gás lacrimogêneo lançada pela polícia durante uma manifestação contra o governo em 2013.
Os militantes haviam dado às autoridades turcas três horas para atender a algumas demandas, incluindo a de que os policiais responsáveis pela morte do garoto confessassem a sua ação.
Além disso, exigiam que os policiais fossem julgados por "tribunais populares" e que fossem retiradas acusações contra pessoas que participaram dos protestos.
A DHKP-C, de viés socialista, é considerada uma organização terrorista pela Turquia, pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
Mais ativo nos anos 1970, o grupo continua fazendo ataques esporádicos. Em 2013, fez um atentado suicida à embaixada americana, provocando a morte de um agente de segurança.