terça-feira, 2 de abril de 2019

Espiritualidade e Ciência: Por que tanto barulho?


ESPIRITUALIDADE E CIÊNCIA: POR QUE TANTO BARULHO?

Marco Milani


(Texto publicado no jornal Gazeta de Limeira, em 02/04/19, p.11)


Desde o anúncio recente que o físico brasileiro Marcelo Gleiser foi agraciado com o prêmio da Fundação John Templeton, direcionado àqueles com contribuições excepcionais para a afirmação da dimensão espiritual da vida, seja por meio de insights, descobertas ou obras práticas, observa-se na mídia e em redes sociais diferentes tipos reações.

Certamente, aqueles que conhecem a trajetória e publicações do autor, podem ponderar, com ou sem ressalvas, sobre a relevância de tal reconhecimento público.

Muitos, ainda que desconheçam o trabalho de Gleiser, enaltecem o fato por se tratar de um prêmio com visibilidade internacional concedido pela primeira vez a um brasileiro.

Outros, independentemente da produção intelectual do premiado, aproveitam a notícia para defender certezas e convicções particulares sobre espiritualidade e ciência. Não é incomum encontrar, nesse último grupo, exaltados de diferentes matizes.

Espiritualidade, em sentido amplo, envolve questões existenciais e éticas do ser humano, bem como o seu relacionamento com o sagrado ou transcendental. Modernamente, a relação entre espiritualidade e qualidade de vida tem sido estudada e evidenciada em diversas investigações científicas no mundo inteiro, principalmente na área da saúde.

Destaca-se que a espiritualidade não implica, necessariamente, na adoção de práticas ou aceitação de dogmas religiosos. Dessa maneira, a espiritualidade é um conceito mais abrangente do que religiosidade e não é adequado tomar a parte pelo todo. Alguns, entretanto, enviesam o significado das palavras para trazer à tona um conflito histórico entre a concepção racional contra a interpretação mística e supersticiosa da realidade.

O barulho após o anúncio da premiação de Gleiser é, justamente, a exaltação de certos religiosos que possuem uma compreensão própria e limitada de espiritualidade, supondo que a transcendência mística foi reconhecida e incorporada no conhecimento científico. Para eles, o prêmio seria um instrumento de propaganda espiritualista.

Por outro lado, a exaltação daqueles que igualmente confundem espiritualidade com dogmas religiosos e incomodam-se e classificam estudos que tratam dos aspectos espirituais do indivíduo como pseudociência. Demonstram, a priori, aversão aos princípios e valores religiosos (sejam eles quais forem) e supõem que tudo o que se afasta do empirismo não pode ser uma expressão legítima de conhecimento científico. Para eles, o prêmio seria um atentado à razão e ao materialismo.

O fanatismo pode se manifestar em todos os lados, seja de espiritualistas ou materialistas.

Marcelo Gleiser se considera agnóstico e não professa uma religião específica. Dentre as justificativas para a premiação, Heather Templeton, presidente da fundação, afirmou que o físico brasileiro contribui, significativamente, para se avançar no conhecimento humano unindo as perspectivas científicas e filosóficas, bem como a espiritual, de forma complementar.

Ao se buscar desvendar a realidade, qualquer posição que desconsidere os fatos e não se sirva de um método lógico para a produção de conhecimento enfrentará problemas de fundamentação. A crendice supersticiosa ou o fanatismo materialista são expressões da fé cega.

Afinal, o que representa o prêmio para Gleiser? O reconhecimento e visibilidade de seu trabalho, incentivando oportunidades futuras de exposição pessoal, além de R$5,5 milhões.

Ao público em geral, vale a pena refletir sobre o tema e buscar compreender o conceito de espiritualidade e como a aplicação prática de princípios e valores espirituais pode influenciar positivamente a vida de cada um. A ciência investiga essas relações por meio de grupos de pesquisadores empenhados em aprofundar essa compreensão sob a ótica racional, ainda que esses mesmos pesquisadores encontrem resistência em pares comprometidos em reviver o embate entre as crenças superticiosas da Idade Média e o despertar do pensamento científico.


* Marco Milani é Economista, pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor da Unicamp.