sexta-feira, 22 de maio de 2015

Opressão soviética a artistas é narrada em tragicomédia


Opressão soviética a artistas é narrada em tragicomédia

Espetáculo retrata um encontro fictício, em 1948, entre Josef Stálin, seu secretário e dois compositores russos

Maria Luísa Barsanelli – Folha de S.Paulo – 22/05/15 – p. C8

Nos anos 1970, o dramaturgo britânico David Pownall leu o relato de um correspondente da rede BBC sobre a conferência de músicos da União Soviética em 1948, em Moscou. Achou na descrição um misto de terror e graça.
"Ler os relatos me fez rir de um jeito aterrorizado e maravilhado, mas estranhamente puro, como a essência do absurdo", diz à Folha o dramaturgo. A conferência era uma ferramenta do governo totalitário soviético para controlar a produção artística.
Em pesquisas e viagens à Rússia, Pownall ouviu rumores de que, em seu governo, Josef Stálin teria oferecido aulas de piano ao então já famoso compositor Sergei Prokofiev.
Os eventos inspiraram "Master Class" (1982), peça do dramaturgo que ganha a primeira adaptação brasileira, sob o nome de "Aula Magna com Stálin", com tradução e direção de William Pereira.
O texto narra um encontro fictício, às vésperas da conferência de músicos, entre Stálin (Jairo Mattos), o secretário Andrei Jdanov (Luiz Damasceno), Prokofiev (Carlos Palma) e o compositor Dimitri Chostakóvitch (Felipe Folgosi).
No primeiro ato, Stálin e seu comparsa massacram os compositores, fazem um terror psicológico e tentam convencê-los de que sua arte precisa se alinhar aos interesses do Estado. "Eles são os experts em música, mas nós somos os filósofos", diz em cena o ditador. "Esta é a questão: como colocar nossas ideias na cabeça deles."
Após o intervalo, o jogo se inverte, e o drama dá lugar ao cômico e ao absurdo. Prokofiev e Chostakóvitch passam a manipular os políticos e compõem uma música pitoresca em ode ao regime: "Meu coração amargurado/ é um caravançarai [tipo de estalagem]".
"O primeiro ato é um ritual de humilhação. O segundo, a vitória do oprimido", diz Pereira. "É uma virada sutil. A peça abrange muitas questões políticas sem ser maniqueísta. Você vê os problemas do governo, mas também as contradições dos compositores."
Prokofiev e Chostakóvitch representam instâncias distintas da arte russa daquela época. Enquanto o primeiro já era consagrado, o segundo, mais jovem, era o artista "a ser doutrinado", afirma o diretor.
O ditador russo tinha uma "birra" com a individualidade do artista. Pregava que a arte tinha que ser coletiva. "A música soviética antes do Stálin tinha um florescimento, um experimentalismo", comenta o encenador. "Com ele, a criação se volta para o folclórico e o nacionalista."
A música, além de tema, permeia toda a encenação. Um piano de cauda, tocado diversas vezes pelos personagens, ocupa parte do cenário, que representa uma repartição pública, um departamento no qual o governo mantém controle da produção artística.

AULA MAGNA COM STÁLIN
QUANDO qua. a sex., às 20h; até 3/7
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651/3652
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 16 anos