domingo, 28 de setembro de 2014

Comentários sobre o livro “Por Que as Nações Fracassam”



Comentários sobre o livro “Por Que as Nações Fracassam: as Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, de Daron Acemoglu e James Robinson

por Marco Milani

A obra de Acemoglu e Robinson é um produto de quinze anos de pesquisas, com uma proposta inovadora para a compreensão dos contrastes existentes entre nações ricas e pobres. Servindo-se de abrangentes referências históricas, os autores apontam que são as características extrativistas ou inclusivas das instituições econômicas e políticas que determinam o desenvolvimento das nações.
Por instituições econômicas inclusivas, entende-se aquelas que favorecem a disseminação da riqueza na sociedade, permitindo que diferentes grupos tenham a liberdade de produzir e se beneficiar do resultado do próprio trabalho. Nesse sentido, a garantia de cumprimento de contratos e a propriedade privada são condições essenciais para se incentivar a inovação e o progresso dos agentes. Comerciantes independentes e desenvolvedores de novas tecnologias com acesso ao mercado exemplificam as oportunidades inclusivas. Por outro lado, as instituições econômicas extrativistas objetivam a exploração das condições existentes para o benefício exclusivo de um ou limitados grupos dominantes, geralmente beneficiados pelo poder central. Organizações monopolistas que possuem os fatores produtivos são, por exemplo, extrativistas.
As características das instituições econômicas, entretanto, estão diretamente relacionadas à natureza das instituições políticas, que igualmente podem ser classificadas como inclusivas ou extrativistas. Sob essa condição, o surgimento e consolidação de organizações econômicas inclusivas baseia-se na existência de instituições políticas também inclusivas. Seguindo a mesma linha explicativa, Acemoglu e Robinson classificam as instituições políticas inclusivas como sendo aquelas capazes de garantir a ação legítima do poder governante sobre toda a sociedade, mas estruturadas de maneira a haver pluralidade representativa de diferentes segmentos sociais. O Parlamento inglês do século XIX, por exemplo, já permitia que demandas de diferentes cidadãos pudessem ser consideradas, não somente de um grupo em particular. A Rússia, Coreia do Norte e Cuba, nos dias de hoje, são exemplos de países com instituições políticas extrativistas, cujo poder decisório é concentrado em uma elite política em detrimento da diversidade dos segmentos sociais e que constrangem a livre manifestação de grupos antagônicos.
Neste livro, os autores contra-argumentam hipóteses explicativas sobre as diferenças no desenvolvimento dos países, como aquelas que atribuem o fenômeno aos aspectos culturais, climáticos e geográficos, demonstrando que regiões fronteiriças, com a mesma cultura, clima e geografia podem ter os processos de desenvolvimento diferenciados pela formação histórica de suas instituições. Dentre muitos outros exemplos, os autores citam o caso de Nogales, na divisa do México e Estados Unidos.
Acemoglu e Robinson constroem suas proposições servindo-se dos conceitos schumpeterianos de inovação e destruição criativa, além da dualidade econômica desenvolvida por Arthur Lewis.
Certamente, é uma leitura obrigatória para todos aqueles que desejarem discutir, seriamente, os contrastes políticos, sociais e econômicos enfrentados hoje, distanciando-se do viés ideológico encontrado em autores que apenas adotam a anacrônica dicotomia ricos contra pobres ou opressores conta oprimidos para planejar “revoluções” sociais.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Dados mais críveis sobre a concentração de renda no Brasil



Concentração de renda no Brasil pode estar subavaliada, diz estudo

por Renata Agostini

Ao contrário do que sinalizam os indicadores oficiais, a redução da desigualdade pode não ter ocorrido nos últimos anos no Brasil. E a concentração de renda no país pode ser maior do que se imaginava até então.
É o que indica o trabalho "O topo da distribuição de renda no Brasil" dos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fabio Avila Castro, da UnB (Universidade de Brasília).
Medeiros e Souza também são pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Segundo o estudo, os 5% mais ricos detinham cerca de 40% da renda total do país em 2006 e passaram a responder por 44% em 2012.
O maior aumento percentual ocorreu de 2006 a 2008 e, nos anos seguintes, não houve retração na parcela da renda total detida pelo grupo, definido pelos indivíduos com renda a partir de R$ 57,6 mil por ano em 2012.


Editoria de Arte/Folhapress
                   
O mesmo fenômeno ocorreu no grupo do 1% mais rico (renda a partir de R$ 552,9 mil por ano) e no segmento mais abastado da população, do 0,1% mais rico (a partir de R$ 871,7 mil por ano). Nos dois casos, o percentual da renda total permaneceu estável ao longo dos anos (veja quadro).
O trabalho é resultado da primeira estimativa de concentração de renda entre os mais ricos a partir da análise das declarações de Imposto de Renda. Os dados foram processados pela Receita Federal para preservar o sigilo fiscal, impossibilitando a identificação individual.
Tal abordagem produziu resultados diferentes dos apresentados na semana passada pelo IBGE, cujas informações são baseadas em pesquisas domiciliares.
Pelo Censo 2010, os 5% mais ricos respondiam por 40% da renda total. Pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a fatia detida pelo grupo vinha caindo desde 2006 e fechou 2012 em 35% –abaixo dos 44% indicados pelo estudo.
          "É provável que a queda da desigualdade nesse período, identificada nas pesquisas domiciliares, não tenha ocorrido ou tenha sido muito inferior ao que é comumente medido", diz o estudo, publicado em 14 de agosto.
Os autores notam que as pesquisas domiciliares "identificam melhoras na base da distribuição, mas a desigualdade total depende também do que ocorre no topo".
A análise por meio das declarações de IR, usada há anos no exterior, permite que os dados sejam mais precisos do que os colhidos nas pesquisas domiciliares já que os entrevistados podem desconsiderar rendimentos como aplicações financeiras.
Mas há também limitações. Uma minoria da população é obrigada a fazer declaração de renda e não é possível contabilizar, por exemplo, a renda de pessoas jurídicas. Segundo os pesquisadores, "é possível", assim, que as estimativas da desigualdade estejam subestimadas.
Para o trio, diante dos achados da pesquisa, "o comportamento geral da desigualdade nesse período merce ser avaliado com mais cautela".

Fonte: Folha Online - 23/09/2014


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Liberalismo e Capitalismo


Liberalismo e Capitalismo

Antonio Delfim Netto

Publicado no Jornal Valor Econômico – 23/09/14 – p.A2

Um sentimento de crise permanente nos é transmitido desde o primeiro livro de história da civilização que enfrentamos. Toda a história do homem é exposta como a história dos problemas do homem.

Não se trata de uma narrativa dos problemas do homem com a natureza, da qual faz parte e da qual se distanciou pela capacidade de pensar-se e de pensá-la como entidade separada, mas dos problemas do homem com o homem. Ela é sempre a história do poder: da insuperável tendência permanente de alguns homens de sujeitarem os outros a sua vontade. São sempre minorias (ou maiorias) que tentam, pela persuasão ou pela força, quebrar a vontade de maiorias (ou minorias) e submetê-las à própria vontade.

O homem começou a viver da agricultura e a instalar-se em pequenas vilas há pouco mais de 10 mil anos. Tão logo suas necessidades vitais de sobrevivência física puderam ser razoavelmente atendidas sem a obediência às normas estabelecidas pelo mais forte, eles passaram a procurar mecanismos de administração de suas inter-relações.

Sistema não é o regime "ideal", mas parece melhor do que os outros

Mecanismos que fossem capazes de assegurar a coesão e a defesa contra as "vontades" exteriores ao grupo. Que, além disso, impedissem que a mínima hierarquia necessária a qualquer tipo de sociedade, para lhe dar um mínimo razoável de funcionalidade e estabilidade, fosse fonte de uso abusivo do poder por alguns. Ninguém os inventou: eles emergiram da prática da cooperação adaptativa natural que facilitava a vida do grupo.

Na longa caminhada em que o homem construiu-se a si mesmo, ele acabou entendendo que só existe um meio eficaz de controle do poder: a lei que não transcende ao homem, que não existe fora dele. Ela é produto de uma ética seletiva conveniente, aceita consensualmente para a comodidade e coesão do grupo. Nesse sentido, talvez seja a maior manifestação de humanidade do animal-homem, pois estabelece o desejo de igualdade onde a natureza estabeleceu a hierarquia. Estabelece o respeito onde a natureza estabeleceu a submissão. Estabelece a perpetuação onde a natureza estabeleceu a morte.

Ao abandonar a comodidade que a natureza lhe oferecia, com sua hierarquia natural, suas regras estritas de sobrevivência e seu processo de seleção, o homem escolheu um caminho difícil. Desgarrando-se da natureza, verificou que estava só, tendo que produzir suas próprias normas de comportamento, de acordo com sua própria conveniência e vontade.

É por isso que, tendo a partir do século XVI ocupado efetivamente todo o globo terrestre e apreendido da natureza uma noção de ordem inelutável, que deu nascimento às ciências físicas, os homens tiveram a esperança de que suas inter-relações fossem também comandadas por forças externas que garantiriam a harmonia dos seus interesses. Bastava-lhes, portanto, descobrir as "leis naturais" dessas inter-relações e obedecê-las para que tudo se acertasse.

Tratava-se de doce ilusão. Tendo abandonado a natureza, por que essa haveria de oferecer-lhe um caminho seguro? Em meados do século XIX, com Marx, o homem foi inexoravelmente forçado a enfrentar essa assustadora verdade. Entretanto, todas as tentativas de implementação de um empobrecedor marxismo-economicista acabaram por negá-lo: ou produziram sociedades onde o problema do poder é resolvido com a eliminação pura e simples do "outro", ou é resolvido por uma cópia do modelo que o processo de evolução impôs às formigas.

O homem compreendeu que resolver o problema do poder consiste em encontrar uma resultante adequada dos dois vetores de comportamento que o separaram do mundo puramente animal: a busca incessante da igualdade e da liberdade, como valores próprios da ética que construiu. Mas desde cedo apreendeu também que essa resultante é difícil de se encontrar, porque aqueles dois valores, depois de um certo limite, se destroem mutuamente.

Apesar de todas as dificuldades, o liberalismo político, que obteve sua certidão de nascimento com a Revolução Inglesa de 1688, deu margem à expansão das atividades econômicas apoiadas sobre a formação de uma burguesia extremamente ativa e razoavelmente independente do Estado. Até agora foi a única organização social capaz de compor de forma razoável e estável aqueles dois vetores.

A combinação do liberalismo político com o capitalismo não é o fim da história. É um sistema que continua em evolução empurrado pelo sufrágio universal. Certamente, não é o regime "ideal", mas parece melhor do que todos os outros. O seu funcionamento na Europa Ocidental, na Escandinávia e nos Estados Unidos mostrou que possui uma capacidade quase infinita de continuar a adaptar-se na busca da sociedade civilizada, que é o objetivo do homem.

A evolução social e econômica daqueles países mostra claramente que o liberalismo político é incomparavelmente superior a todos os "inventados" por cérebros peregrinos, e que o que se tem qualificado de socialismo (quando não se refere ao "socialismo" daqueles mesmos países) não tem sido mais do que um capitalismo de Estado, administrado por burocracias extremamente ineficientes e, em geral, tão corruptas quanto a burguesia. Infelizmente, a história mostra que a verdade é sempre descoberta tarde demais...



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Argentina: Rumo ao bolivarianismo


Argentina: Rumo ao bolivarianismo

E quem disse que a situação da Argentina não poderia piorar ainda mais? Não bastasse a restrição de crédito que o país enfrenta no mundo depois do calote aos credores, agora a intervenção estatal no mercado promete deteriorar ainda mais a situação econômica e social.

Em 18/9/14, a Câmara dos Deputados argentina aprovou, por 130 a 105 votos, a Lei de Abastecimento, a qual prevê que o Estado estabeleça os níveis produtivos das empresas e controle os respectivos preços ao consumidor, com a possibilidade de confisco de bens de companhias que forem consideradas praticantes de preços abusivos.

A Lei conta com forte resistência dos setores produtivos e de representantes da sociedade civil que defendem o livre mercado. Por outro lado, os governistas alegam que as medidas não implicam em intervenção, apenas em regulação necessária para a proteção dos próprios consumidores.

Na prática, sim, trata-se de uma política intervencionista que pode desestabilizar as relações entre os agentes econômicos, impactando negativamente o processo produtivo do país. A tentativa de se controlar a economia por meio de medidas artificiais e que desconsiderem a dinâmica natural do mercado na formação de preços gera, usualmente, distorções insustentáveis no médio e longo prazos, contribuindo para a ineficiência alocativa de recursos.

Um exemplo recente dos problemas gerados pelo alto grau intervencionista do Estado na economia é a Venezuela, desde que adotou a orientação bolivariana.


E salve-se quem puder.