sexta-feira, 27 de junho de 2014

Relógio do Sul: mais uma bizarrice bolivariana


Relógio do Sul: mais uma bizarrice bolivariana


Usualmente, os chamados "revolucionários" tentam criar situações esdrúxulas para que possam ser associadas às suas noções invertidas de valores. E recentemente, Evo Morales e seus partidários decidiram inverter, literalmente, o sentido do relógio do Congresso boliviano, em La Paz. Agora os ponteiros giram para a esquerda.
Segundo Eugénio Rojas, presidente do Senado daquele país, a iniciativa serve para ensinar ao povo que é possível questionar as normas estabelecidas e pensar de forma criativa. Segundo ele, a Bolívia é um país do sul e portanto não tem o porquê de seguir as regras e normas dos países do norte. Seria interessante saber como o governista Rojas trataria o relógio digital inventado pelo “norte”... Talvez ele passasse a usar o aparelho de cabeça para baixo, quem sabe...
O ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca, também enalteceu o grande simbolismo desse ato e destacou que objetivo é representar as mudanças vivenciadas pelo país nos últimos oito anos, durante a gestão do presidente Evo Morales, quando houve uma revalorização da cultura andina. Interessante essa associação feita pelo ministro, pois alguém poderia usar esse mesmo simbolismo para afirmar que o governo de Morales andou para trás, não é mesmo?

Relógio do British Bar, em Lisboa/POR

Relógios pitorescos não são novidades no planeta, como reconhece o próprio Choquehuanca ao confessar que ele ganhou, há muito tempo, um relógio de pulso com essas características em Londres. Também no hemisfério norte, o velho relógio do British Bar, junto ao Cais do Sodré na cidade de Lisboa, em Portugal, há décadas é uma atração local, porém não possui qualquer mensagem política atrelada ao artefato.
Sem querer desmerecer a criatividade boliviana, inspirada pelo bolivarianismo de Morales, Maduro, Lula e companhia, mas os países “do sul” precisam mais de seriedade e competência administrativa do que artimanhas midiáticas e populistas para tentar encobrir as mazelas socioeconômicas provocadas pelo engodo ideológico que orienta as respectivas políticas públicas.

Referências:





sexta-feira, 20 de junho de 2014

O baixo calão e o ódio ao PT


O baixo calão e o 'ódio ao PT'

José Nêumanne

 Como tudo o que diz respeito ao futebol brasileiro, o grotesco episódio dos insultos à presidente Dilma Rousseff no Itaquerão, na partida de abertura da Copa do Mundo da Fifa de 2014 no Brasil, tem algo de malandragem e algo de paixão cega. Pois neste "país do futebol" tudo vira Fla-Flu. Como tudo o que concerne à política nacional, a grosseria é interpretada e utilizada como convém ao freguês, com excessos de oportunismo cínico e deslavada hipocrisia. Dar-lhe a devida medida depende apenas de respeitar os fatos.
Para começo de conversa, não foi o estádio que invadiu o palácio, mas o palácio que ocupou o estádio. Há sete anos Luiz Inácio Lula da Silva, que pode ser tudo na vida menos bobo, comemorou como feito histórico e obra de seu governo a escolha do País para sediar o mais importante torneio da mais popular atividade esportiva e de entretenimento do planeta. O Mundial de Futebol é organizado e explorado comercialmente pela Fifa, entidade global que não pode ser considerada, nem pelos mais néscios nem pelos maiores adoradores do esporte dado como bretão, um claustro de carmelitas descalças. O noticiário produzido em torno de suas atividades, entre as quais a escolha dos locais para sediarem suas biliardárias disputas, é mais assunto para notícia de polícia do que para ser impresso em breviários e edificantes biografias de santo. Seu presidente, o suíço Joseph Blatter, disputa mais uma reeleição sob suspeita de várias falcatruas.
Trata-se de um negócio privado em que se emprega muito dinheiro e se ganha muito mais em direitos de transmissão pela TV e publicidade do que em ingressos para os espetáculos nas chamadas arenas, cujas rendas movimentam apenas uma ínfima fração de seus emolumentos. É duvidoso se os países escolhidos para sede herdam um "legado" à altura dos dispêndios feitos para a montagem do circo gigantesco, mas não restam dúvidas de que os resultados em publicidade dos que se envolvem com o negócio são fabulosos. E aí repousava o olho gordo de Lula.
A ilusão de que a paixão popular reverte sempre em profusão de votos encanta os políticos brasileiros desde priscas eras. Nunca se constatou que essa mágica resulte em algo efetivo, mas os resultados positivos nas urnas de alguns astros do espetáculo ainda inspiram as ambições de gestores públicos ou políticos cegos a ponto de não perceberem óbvios exemplos históricos. Fala-se muito da derrota do Brasil para o Uruguai no Maracanã em 1950, mas poucos se lembram dos políticos que festejaram o título na concentração da seleção no campo do Vasco, em São Januário, à véspera da final. Como ratos num navio naufragado, foram os primeiros a fugir após o fiasco.
Os políticos têm tanta sede a matar por perto dos potes do poder que perdem os limites. Já se calcula em R$ 35 bilhões o dispêndio público no Brasil para armar o circo na "Copa das Copas". Do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab à presidente Dilma Rousseff, passando pelo tucano Geraldo Alckmin e pelo petista Lula, não houve governante que não garantisse que para um evento em que somente empresas privadas auferem polpudos lucros o gasto público seria zero.
Agora Lula e seus devotos acusam a "elite branca", que pagou ingressos caríssimos para frequentar as arenas na Copa, de falta de educação e de não saber tratar os outros. Fala como se tivesse exigido da Fifa a contrapartida de que seu eleitorado de gente pobre tivesse direito a entrada gratuita para ver os jogos, de vez que não usufrui o "padrão Fifa" nos hospitais desaparelhados nem nas escolas em ruínas com poucas vagas disponíveis para seus milhões de filhos descamisados. Ao contrário, a Fifa exigiu tudo e levou tudo e ninguém pensou em baixar os preços dos ingressos para permitir que os beneficiários do Bolsa Família pudessem aplaudir Lula e Dilma na abertura do evento. E Lula não justificou sua ausência em Itaquera para ver o jogo in loco.
Como Renato Maurício do Prado constatou em sua coluna no Globo, a expressão chula usada contra a presidente no Itaquerão não é useira e vezeira em comícios ou plenários, mas corriqueira em estádios. Torcidas a empregam contra rivais ou árbitros num festival de cafajestice que destes afasta pessoas recatadas que não têm por hábito usar palavrões à mesa do jantar em casa ou no escritório. Consta que a vítima dos insultos na abertura da Copa não recorre a expressões cochichadas em missas para repreender seus subordinados. Mas isso não é motivo para que ela seja alvo desse baixo calão.
Apesar de já ter contado que torceu pelo Atlético no Mineirão numa época em que o estádio ainda não havia sido construído, Sua Excelência não parece ter intimidade com a cafajestice que impera na atividade futebolística no gramado entre jogadores, na torcida entre torcedores e no convívio pouco amistoso de dirigentes de paixão desenfreada e boca suja. As feministas que atribuíram o xingamento ao machismo tampouco têm intimidade com a linguagem destemperada de nossa "pátria em chuteiras" (e não "de chuteiras", por amor a Nelson Rodrigues!).
Pode ser que tenham alguma razão os que reclamam dos insultos à presidente pelo desrespeito ao cargo que ela ocupa. Teriam toda a razão se Dilma se tivesse comportado depois da posse como a presidente de todos os brasileiros, entre os quais os que não votaram nela, e não como chefe de uma facção política ou ideológica, dividindo o país que governa em "nós, os de boa-fé", e "eles, os mal-intencionados".
Mas esse Fla-Flu começou quando, ao constatar que o tucano José Serra tinha sido majoritário nas regiões mais ricas e ele o fora nas mais pobres, Lula declarou guerra a quem se opusesse a seu projeto "socialista". Agora, na convenção do PT paulista, pregou uma catilinária contra o "ódio ao PT". Foi traído pela memória sempre falha: ele e a sucessora é que tornaram seu partido "o" agente, e não a vítima preferencial do ódio entre as classes.

Fonte: OESP


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Cotas reforçam a discriminação?


Relatório da OCDE questiona Lei das Cotas e sugere mensalidade em faculdade pública

Documento da OCDE, organismo mundial responsável pelo Pisa, critica ação afirmativa para reduzir desigualdade. Ministro da Educação defende “inclusão de pobres indígenas e negros” no ensino superior
Não é possível dizer que as cotas são o melhor caminho para se reduzir disparidades sociais na educação superior do Brasil, nem está claro que a medida acabe com a raiz do problema. A afirmação consta no relatório “Investing in Youth: Brazil” (Investir na Juventude: Brasil), publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo a entidade, no lugar de políticas afirmativas, o governo deveria considerar a cobrança de mensalidades, em universidades federais, daqueles que puderem pagar, mantendo a gratuidade para estudantes menos abastados.
Esta é a declaração mais contundente sobre cotas já feita pela organização, reconhecida mundialmente por gerar indicadores e pesquisas de mercado e educacionais de excelência, como o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês).
A princípio, o estudo teve o objetivo de abordar o caminho trilhado pelo jovem para ingressar no mercado de trabalho. Em um capítulo reservado inteiramente a mostrar o panorama da educação no Brasil, a OCDE afirma que o acesso ao ensino superior de qualidade por aqui é “extremamente desigual”. A organização não diferencia cotas sociais de cotas por critérios raciais. Para a organização, nenhuma das duas resolve o problema.
— Se por um lado as cotas podem ajudar a elevar a participação das minorias raciais no ensino superior, por outro elas tratam apenas de um sintoma e não do problema como um todo. Na realidade, o problema surge muito antes: nos baixíssimos níveis educacionais das minorias raciais que só têm acesso aos piores serviços de educação que a rede pública oferece — critica o economista Stijn Broecke, um dos pesquisadores da OCDE que participaram do relatório.
A lei 12.711, conhecida como Lei das Cotas, é a principal medida do governo federal para democratizar o acesso ao ensino superior no país. Segundo ela, universidades e institutos federais deverão reservar, até 2016, 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas. Dentro deste universo, metade será dedicada às minorias étnicas. Na primeira edição deste ano do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), programa que seleciona estudantes para ingressar em instituições de ensino superior federais, 43% das mais de 171 mil vagas foram destinadas a cotistas.
O Ministério da Educação (MEC), obviamente, não concorda com a crítica. O ministro José Henrique Paim defendeu a política, afirmando que as cotas asseguram vagas aos mais pobres e a minorias étnicas. Paim lembrou ainda que a gratuidade do ensino superior é uma garantia prevista na Constituição:
— A Lei das Cotas assegura a mudança no perfil dos estudantes brasileiros, com a inclusão dos mais pobres, indígenas e negros. Parece contraditória a afirmação do estudo da OCDE de que a lei de cotas continuaria a beneficiar pessoas mais abastadas que poderiam pagar pelos seus estudos. A política de cotas está revertendo essa lógica.
‘Muito a fazer’
A OCDE foi fundada em 1961 por 34 países, para estimular o progresso econômico. Apesar de não ser um membro titular, o Brasil participa de diversos programas da organização, como o Pisa, que avalia o desempenho de estudantes de 15 anos de 65 países em matemática, leitura e ciência. No Pisa 2012, o Brasil ficou na 58ª colocação de uma lista de 65 economias mundiais.
“Não está claro, porém, que a Lei das Cotas é a maneira certa de enfrentar disparidades sociais no ensino superior no Brasil, nem está claro que ela incide sobre o problema certo (…) Universidades públicas gratuitas e extremamente disputadas são ocupadas principalmente por estudantes mais ricos, enquanto os mais pobres são obrigados a pagar altas taxas de matrícula em instituições privadas. Mesmo sob a Lei das Cotas, 50% das vagas gratuitas em instituições públicas serão tomadas por estudantes de alto poder aquisitivo, muitos dos quais poderiam ter recursos para pagar por sua educação universitária”, diz o relatório.
O relatório da OCDE reconhece as políticas de expansão do ensino superior implementadas pelo Brasil na última década, mas frisa que ainda “há muito o que fazer”, e bate na tecla da desigualdade.
A solução de começar a cobrar taxas de matrículas em universidades federais para classes mais abastadas, segundo Broecke, seria justificada pela forte desigualdade social no acesso ao ensino superior, onde alunos de famílias mais ricas ficam com as melhores vagas em instituições que, em tese, são públicas. Para ele, o sistema deixa injustamente os estudantes de menor poder aquisitivo com o fardo de pagar pelos estudos em faculdades privadas.
— O sistema de ensino superior no Brasil é muito pequeno e extremamente desigual. A expansão das universidades será necessária para aumentar a participação das famílias mais pobres, e isso vai exigir uma mudança no modelo atual público-privado e na forma como ele é financiado — diz.
Para Marcelo Paixão, professor de Economia da UFRJ e coordenador Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), o estudo confunde o uso dos recursos públicos na educação superior e ações afirmativas:
— As assimetrias no acesso ao sistema universitário não decorrem apenas das diferenças nas capacidades de pagamentos dos estudantes de brancos e negros, mas também a partir de instrumentos de seleção que acabam prorrogando indefinidamente as desigualdades em termos de acesso às instituições de maior prestígio.
Uerj
Mesmo sem ser citada nominalmente, a Universidade do Estado do Rio (Uerj) aparece no relatório da OCDE como uma das primeiras a adotar cotas em seu processo seletivo. Desde 2004, quando começou a reserva das vagas, a universidade já recebeu 18.270 cotistas, sendo 8.021 deles apenas por cotas raciais.
O calouro de História Bruno Alves é um deles. Mesmo tendo estudado em escola pública, Bruno optou por concorrer pelo critério de cor por uma questão íntima. Ele concorda com partes do relatório da OCDE, mas defende as políticas afirmativas. Com uma bolsa mensal de R$ 400 para os estudos, dada pela Uerj aos cotistas, Bruno argumenta que o desempenho dos alunos favorecidos por ações afirmativas não deixa a desejar em relação aos demais estudantes:
— Se a educação básica fosse de qualidade, realmente não haveria a necessidade de cotas. Mas como o Estado sofre com o sucateamento e é um instrumento da classe dominante, pelo menos a política afirmativa garante o acesso aos menos favorecidos. Existe sim uma defasagem muito grande de estudos, mas os cotistas demonstram uma capacidade muito grande de superar as dificuldades.
Já a aluna do 1º período de Nutrição Sarah de França Barradas expressa algumas reservas às políticas afirmativas. Aluna de escola pública, Sarah foi aprovada por cotas sociais, onde só a renda é levada em conta. Segundo ela, critérios baseados em etnia ou cor apenas exacerbam a desigualdade:
— Eu poderia muito bem concorrer por cotas raciais, mas não quis por questão de princípios. Não é porque a pessoa é negra que ela é menos inteligente do que as outras. Isso não é justo.