sábado, 28 de fevereiro de 2015

Os saqueadores da lógica


Os saqueadores da lógica

Fernando Gabeira

Se o PT pusesse fogo em Brasília e alguém protestasse, a resposta viria rápida: onde você estava quando Nero incendiou Roma? Por que não protestou? Hipocrisia.
Com toda a paciência do mundo, você escreve que ainda não era nascido, e pode até defender uma ou outra tese sobre a importância histórica de Roma, manifestar simpatia pelos cristãos tornados bodes expiatórios. Mas é inútil. Você está fazendo, exatamente, o que o governo espera. Ele joga migalhas de nonsense no ar para que todos se distraiam tentando catá­-las e integrá­-las num campo inteligível.
Vi muitas pessoas rindo da frase de Dilma que definiu a causa do escândalo da Petrobrás: a omissão do PSDB nos anos 1990. Nem o riso nem a indignação parecem ter a mínima importância para o governo. Depois de trucidar os valores do movimento democrático que os elegeu, os detentores do poder avançaram sobre a língua e arrematam mandando a lógica elementar para o espaço.
A tática se estende para o próprio campo de apoio. Protestar contra o dinheiro de Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, no carnaval carioca é hipocrisia: afinal, as escolas de samba sempre foram financiadas pela contravenção.
O intelectual da Guiné Juan Tomás Ávila Laurel escreveu uma carta aos cariocas dizendo que Obiang gastou no ensino médio e superior de seu país, em dez anos, menos o que investiu na apologia da Beija­Flor. E conclui alertando os cariocas para a demência que foi o desfile do carnaval de 2015.
O próprio Ávila afirma que não há números confiáveis na execução do orçamento da Guiné Equatorial. Obiang não deixa espaço para esse tipo de comparação. Tanto ele como Dilma, cada qual na sua esfera, constroem uma versão blindada às análises, comparações numéricas e ao próprio bom senso.
O mundo é um espaço de alegorias, truques e efeitos especiais. Nicolás Maduro e Cristina Kirchner também constroem um universo próprio, impermeável. Se for questionado sobre uma determinada estratégia, Maduro poderá dizer: um passarinho me contou.
Cristina se afoga em 140 batidas do Twitter: um dia fala uma coisa, outro dia se desmente. Numa intensidade menor do que na Guiné Equatorial, em nossa América as cabeças estão caindo.
Um promotor morre, misteriosamente em Buenos Aires, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, só e indefeso, é arrastado por um pelotão da polícia política bolivariana.
Claro, é preciso denunciar, protestar, como fazem agora os argentinos e os venezuelanos. Mas a tarefa de escrever artigos, de argumentar racionalmente, parece­-me, no Brasil de hoje, tão antiga como o ensino do latim ou o canto orfeônico.
Alguma evidência, no entanto, pode e deve sair da narrativa dos próprios bandoleiros. Quase tudo o que sabemos, apesar do excelente trabalho da Polícia Federal, veio das delações premiadas.
Alguns dos autores da trama estão dentro da cadeia. Não escrevem artigos, apenas mandam bilhetes indicando que podem falar o que sabem.
Ao mesmo tempo que rompe com a lógica elementar, o governo prepara sua defesa, organiza suas linhas e busca no fundo do colete um novo juiz do Supremo para aliviar sua carga punitiva. O relator Teori Zavascki, na prática, foi bastante compreensivo, liberando Renato Duque, o único que tinha vínculo direto com o PT.
Todas essas manobras e contramanobras ficarão marcadas na história moderna do Brasil. Essa talvez seja a razão principal para continuar escrevendo.
Dilmas, Obiangs, Maduros e Kirchners podem delirar no seu mundo fantástico. Mas vai chegar para eles o dia do vamos ver, do acabou a brincadeira, a Quarta­Feira de Cinzas do delírio autoritário.
Nesse dia as pessoas, creio, terão alguma complacência conosco que passamos todo esse tempo dizendo que dois e dois são quatro.
Constrangidos com a obviedade do nosso discurso, seguimos o nosso caminho lembrando que a opressão da Guiné Equatorial é a história escondida no Sambódromo, que o esquema de corrupção na Petrobrás se tornou sistemático e vertical no governo petista.
Dilma voltou mais magra e diz que seu segredo foi fechar a boca. Talvez fosse melhor levar a tática para o campo político. Melhor do que dizer bobagens, cometer atos falhos.
O último foi confessar que nunca deixou de esconder seus projetos para ampliar o Imposto de Renda. Na Dinamarca (COP 15), foi um pouco mais longe, afirmando que o meio ambiente é um grande obstáculo ao desenvolvimento.
O País oficial parece enlouquecer calmamente. É um pouco redundante lembrar todas as roubalheiras do governo. Além de terem roubado também o espaço usual de argumentação, você tem de criticar politicamente alguém que não é político, lembrar o papel de estadista a uma simples marionete de um partido e de um esquema de marketing.
O governo decidiu fugir para a frente. Olho em torno e vejo muitas pessoas que o apoiam assim mesmo. Chegam a admitir a roubalheira, mas preferem um governo de esquerda. A direita, argumentam, é roubalheira, mas com retrocesso social. Alguns dos que pensam assim são intelectuais. Nem vou discutir a tese, apenas registrar sua grande dose de conformismo e resignação.
Essa resignação vai tornando o País estranho e inquietante, muito diferente dos sonhos de redemocratização. O rei do carnaval carioca é um ditador da Guiné e temos de achar natural porque os bicheiros financiam algumas escolas de samba.
A tática de definir como hipocrisia uma expectativa sincera sobre as possibilidades do Brasil é uma forma de queimar esperanças. Algo como uma introjeção do preconceito colonial que nos condena a um papel secundário.

Não compartilho a euforia de Darcy Ribeiro com uma exuberante civilização tropical. Entre ela e o atual colapso dos valores que o PT nos propõe, certamente, existe um caminho a percorrer.

Bolivarianos e seus discursos inflamados e ridículos...


Maduro estabelece visto obrigatório para americanos irem à Venezuela


"Para proteger o nosso país (...), decidi implantar um sistema de visto obrigatório para todo americano que ingressar na Venezuela", disse Maduro em um discurso público durante uma manifestação de simpatizantes chavistas.

O presidente venezuelano Nicolás Maduro estabeleceu neste sábado (28) um sistema de visto obrigatório para todo cidadão americano que visite a Venezuela.


Segundo Maduro, trata-se de um mecanismo de controle para impedir interferências dos Estados Unidos. O presidente determinou, ainda, a revisão e a redução do corpo diplomático de Washington em Caracas.

A pergunta que não quer calar é: Como os americanos conseguirão dormir sabendo que será mais difícil viajar à Venezuela?

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Novo aumento de imposto para as empresas.


Governo anuncia aumento de imposto sobre desoneração da folha de pagamento

Luci Ribeiro - O Estado de S. Paulo

Alíquotas cobradas sobre o faturamento das empresas, que eram de 1% e 2%, aumentarão para 2,5% e 4,5% a partir de junho.

Depois do que limitou a R$ 75,1 bilhões as despesas da máquina federal até o fim de abril, incluindo investimentos do PAC, o governo publicou nesta sexta-­feira, 27, no Diário Oficial da União mais medidas para dar continuidade ao ajuste fiscal.
A Medida Provisória 669 revisa as regras da desoneração da folha de pagamento de setores produtivos, altera a legislação tributária de bebidas frias e ainda fala de medidas tributárias referentes à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.
A primeira das medidas recai sobre a contribuição previdenciária paga pelas empresas. A partir de junho, as empresas que recolhiam 2% do faturamento para a contribuição da previdência de seus funcionários passarão a pagar 4,5% da receita. As que recolhiam 1%, passarão a pagar 2,5%.
O aumento do imposto, na prática, reduz a desoneração da folha de pagamentos, iniciada em 2011. A desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos das empresas começou a ser adotada em 2011 para reduzir os gastos com a mão de obra e estimular a economia. Naquele ano, o governo passou a desonerar a folha de pagamento de alguns setores substituindo o imposto de 20% sobre o salário por uma alíquota cobrada do faturamento das empresas, que variava de 1% a 2% dependendo da companhia.
Agora, este imposto sobre o faturamento sofreu aumento.
Em algumas situações, no entanto, a alíquota permanecerá em 2% até o encerramento dos projetos. É o caso das obras matriculadas no Cadastro Específico do INSS (CEI) no período entre 1º de abril de 2013 e 31 de maio de 2013.
Hoje, 56 segmentos contam com o benefício da desoneração da folha. No ano passado, o governo abriu mão de R$ 21,5 bilhões em arrecadação por causa de desonerações, uma alta de 75% em relação ao ano anterior. Bebidas. Entre as mudanças para o setor de bebidas frias, o texto da MP diz que a Receita Federal poderá exigir de estabelecimentos envasadores ou industriais fabricantes de bebidas a instalação de equipamentos contadores de produção, que possibilitem a identificação do tipo de produto, de embalagem e sua marca comercial. O texto ainda cria uma taxa pela utilização do equipamento.
As disposições da Medida Provisória entram em vigor em junho, para a desoneração da folha, a partir de 1º de maio para as bebidas frias e a partir de hoje para as regras relacionadas aos Jogos Olímpicos. Essas regras ampliam a abrangência da isenção de tributos federais incidentes nas importações de bens, mercadorias ou serviços para uso ou consumo exclusivo em atividades vinculadas ao evento.



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Dilma, carnaval e cinzas


Dilma, carnaval e cinzas
por Carlos Melo*

Veio o Natal, acabou o primeiro mandato e o governo ia mal. Entrou o Ano Novo, o novo mandato também e o governo continuou mal. Passou o carnaval, vem a quaresma e o governo tende a continuar assim. O governo Dilma vai mal. Uma análise das cinzas.
A política é cruel. Talvez, a mais cruel das atividades humanas; e a mais humana também. Ela lida com o Poder, sem condescendência ou apelação. House of Cardsé um modelo simplificado.  O certo é que onde há poder, haverá proteção; onde ele falhar, restará um miasma de carniça e um bando de lobos a devorar, em banquete, a carcaça do líder decaído. Até o extraordinário Pombal viveu esta sina: alcoviteiro do Rei, Sebastião José estabeleceu sua vontade e razão sobre o reino, o clero e a nobreza. Morto o Rei, o Marquês foi escorraçado pela rainha traída. Não sabia Pombal que seu poder era nada, que emanava, na verdade, de Dom José.
Pois é, muitos não sabem ou esquecem que o poder que não nasce de si próprio não é poder. É outorga e concessão; é ilusão. É vendaval.
Se já não for tarde, Aloizio Mercadante precisa lembrar disto — com urgência: o suposto poder que expressa não emana de si; é reflexo do frágil poder de uma presidente que, em algum momento, buscou no espelho a si mesma: “existe alguém mais poderosa do que eu?” E seu ministro respondeu: “claro que não!” Parecia música para ouvidos que pouco escutam, como é o caso dos dois. Mas, ambos erravam feio, é claro.
O poder de Dilma emanava da economia, da inclusão social, dos automóveis comprados à prestação, das farras dos cartões de crédito, das compras na 25 de março ou em Miami. Finda a festa; findo o encanto. Tudo rui e torna-se precário. Uma sucessão de eventos surge apenas para comprovar o fato: o poder que parecia forte era frágil. Quase nunca há esperança para tigres desdentados. Será o caso? Difícil afirmar. O fato é que o Carnaval, definitivamente, acabou e agora são cinzas.
Nos últimos dias, a imprensa noticiou, mais que escaramuças internas, um jogo voraz: Aloizio Mercadante virou alvo de seus companheiros. A caça a um presumido culpado é sempre sinal de desespero. Para preservar Dilma, sem ordem nem comando, a alcateia se lançou numa tangente contra o ministro. Faz sentido: Mercadante é anel; Dilma, os dedos. A impressão que se deu foi de que uma baixela era reservada para ser adornada com a  cabeça do chefe da Casa Civil. Inadvertidamente ou não, em silêncio a presidente deixou chiar o azeite em que se fará a pururuca de seu ministro.
Dilma sabe que está sob ataque: luta em mais de uma dezena de frentes de conflito simultâneos. Um trabalho para Hércules quando não há mais Hércules. Falta-lhe flexibilidade, habilidade, estratégia, time e confiança. Nessa velocidade e trajetória, sua equipe tende ao esfacelamento: críticas internas, mexericos, tiros amigos, revelações de diálogos que somente os envolvidos diretos deveriam saber. Tudo revela a crise de comando; o vazio de poder.
A presidente está emparedada por circunstâncias que construiu, contando, é claro, com o dócil incentivo adulador de seu ministro. Ainda assim, esse negócio de “sequestro do governo”, mais que exagero, é diversionismo: no limite, responsável é quem está ou deveria estar no comando; não o comandado. Dilma não é Dom José e Mercadante está longe de ser Pombal.
As margens de manobra da presidente se estreitaram e estão se estreitando. Como tem sido apontado, o centro de poder político se deslocou do Executivo para o Congresso Nacional. O governo perdeu a iniciativa e tem perdido a batalha de comunicação ao mesmo passo em que Eduardo Cunha se impõe e já começa a ser avaliado como mal necessário. Em terra de cegos, caolho é mesmo estadista.
Aparvalhada com derrotas no Congresso, problemas na Petrobrás e na economia, uma Dilma relutante procurou a ajuda de seu criador, Lula. Mas, o ex-presidente não é Deus. A interlocução que possui com o sistema político tem limites: não basta recorrer a Sérgio Cabral, Eduardo Paes ou ao governador Pezão; Cunha adquiriu luz própria e não entregaria a terceiros o capital político que hoje é seu. Por que o faria? É um jogador que namora o perigo. O que vier — se vier –, quando vier, se verá. Não adianta especular.
Também no âmbito do governo, Lula é incapaz de fazer aquilo que Dilma, com legitimidade formal, não consegue ou não quer empreender. Junto com sua sucessora, as alternativas do ex-presidente se estreitam: não há mais diálogo com setores médios urbanos e com os meios de comunicação. Mesmo o movimento sindical e o funcionalismo tendem a vulcanizarem-se com os efeitos do inescapável ajuste. No mais, sua capacidade de comunicação com a massa de deserdados também só será efetiva na proporção em que o ajuste na economia não atinja os mais pobres por meio do desemprego. Difícil que não ocorra; complicada equação! Procrastinar o ajuste, tampouco, parece solução.
O fundo do poço que ainda nem se avista pode muito bem ser falso. Há espaço e gravidade para continuar caindo. O que virá das delações premiadas ninguém será capaz de afirmar. Quem será atingido, quem sairá ileso? Como se fosse pouco, o processo ficará confinado à Petrobrás?
A quaresma tende a ser longa e de muita provação; Exús estarão soltos. Para a política será um período de reza, contrição, penitência e mortificações. Sabe-se lá quão distante no tempo está o final. No sábado de aleluia, quantos Judas estarão nos postes? Neste Carnaval, malhou-se um “Boneco de Olinda”, dada sua visibilidade. E ele atendeu pelo nome de Mercadante. Difícil que fique por ai. Mesmo sem água, as águas vão rolar!

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.



terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Teorias da Conspiração


Teorias da conspiração

Editorial – Jornal O Estado de S.Paulo - 17/02/15

Mais do que nunca, a direção do Partido dos Trabalhadores (PT), acuada por sucessivos escândalos de corrupção, resolveu que o ataque é a melhor defesa ­ mesmo que isso signifique distribuir caneladas toscas. O partido decidiu atribuir suas agruras, agora oficialmente, a uma trama liderada por seus adversários da "direita". A teoria da conspiração consta da última resolução publicada pelo Diretório Nacional do PT.
Confundindo­se com o próprio Estado, o PT considera que todas as acusações contra o partido visam, na verdade, a desestabilizar o País ­ e os petistas então convocam a militância a "defender a democracia e as conquistas do povo". Para isso, conforme se lê na mesma frase da resolução, é preciso "denunciar as tentativas de desqualificar a atividade política e de criminalizar o PT".
Não é a primeira vez que o partido se diz vítima de uma campanha que, segundo seu discurso, tem como verdadeiro alvo a classe política em geral. Nem parece o mesmo partido cujo principal líder, o ex­presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já se referiu ao Congresso, nos idos de 1993, como o abrigo de "300 picaretas". Mas aqueles eram tempos em que o PT era oposição ­ orgulhosamente raivosa e sem nenhuma dificuldade para boicotar as verdadeiras conquistas dos brasileiros, como o controle da inflação proporcionado pelo Plano Real.
Agora, após 12 anos na Presidência, o PT parece considerar que nenhuma forma de oposição é aceitável e que qualquer movimento que lhe soe como ameaça à sua permanência no poder só pode ser qualificado como "golpista". A resolução, não por coincidência, usa esse termo e, ato contínuo, propõe um movimento que forme "em torno da reforma política democrática uma vontade majoritária na sociedade".
Que a reforma política é necessária, não há dúvida. Quando proposta pelo PT, no entanto, a tal "reforma" deve ser entendida como uma manobra para facilitar a perpetuação do partido no poder ­ contra as "elites que não conseguem vencer e nem convencer pelas ideias", conforme diz a resolução.
O cardápio da reforma petista é conhecido. Em primeiro lugar, o partido quer o fim das doações de empresas para campanhas eleitorais.
A proposta, em si, é correta, mas, na boca dos dirigentes petistas, ela se presta à mistificação segundo a qual foi esse tipo de financiamento que resultou nos escândalos do mensalão e do petrolão. Nessa lógica de botequim, os políticos (especialmente os do PT) seriam vítimas de um sistema que os corrompe. É uma forma de dizer que o malandro não delinquiu porque é desonesto, mas porque a isso foi levado pelas circunstâncias.
Embora desdenhe do mundo político, a resolução petista "conclama a militância" a articular "partidos, organizações e entidades" para criar "uma força política capaz de ampliar nossa governabilidade para além do Parlamento". Ou seja, como está enfrentando enormes dificuldades no Congresso, o PT quer apelar às ruas para garantir a "governabilidade" ­ eufemismo para o completo controle petista sobre o processo político e social.
Para conseguir esse objetivo, nada melhor do que inventar um complô da oposição contra a principal estatal e maior empresa do País. A resolução do PT denuncia "as tentativas daqueles que investem contra a Petrobrás" e diz que as seguidas acusações de corrupção envolvendo o partido são fruto da "instrumentalização" das investigações, feitas "de forma fraudulenta", com "objetivos partidários". As denúncias, afirmam os petistas, "pretendem, na verdade, revogar o regime de partilha no pré­sal, destruir a política de conteúdo nacional e, inclusive, privatizar a empresa". Botar em pratos limpos a roubalheira que dilapidou a Petrobrás equivale, portanto, a um crime de lesa­pátria.
Como se vê, é difícil de escolher, na resolução do PT, que parte simboliza melhor as imposturas do partido. Talvez a melhor passagem seja a que diz que o PT "reafirma a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção" e que "qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção deve ser expulso". Os mensaleiros, ovacionados como "guerreiros do povo brasileiro" pela militância petista, que o digam.



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Contas no vermelho em 18 Estados


Contas no vermelho forçam governadores a promover ajustes

por Gustavo Patude – Folha de S.Paulo


Maioria dos Estados fechou balanço de 2014 com deficit no orçamento e agora precisará tomar medidas impopulares

Equipe econômica indica que aperto de cintos exigirá maior contribuição também dos governos estaduais

A exemplo do que ocorre com o governo federal, desequilíbrios orçamentários herdados dos mandatos anteriores estão disseminados entre os Estados e têm obrigado os governadores a tomar medidas impopulares de ajuste.
Levantamento feito pela Folha mostra que 18 dos 27 governadores publicaram nas últimas semanas balanços financeiros mostrando que suas contas fecharam o ano passado no vermelho.
Dito de outra maneira, as receitas desses Estados foram insuficientes para cobrir as despesas com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos.
Trata-se de algo inédito desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, impôs regras para disciplinar as finanças públicas.
Em 2011, primeiro ano das administrações passadas, apenas dois governadores registraram saldo negativo e precisaram se endividar para financiar gastos cotidianos e obras de infraestrutura.
Ao final dos mandatos, a lista dos deficitários é ampla a ponto de incluir Estados ricos e pobres, grandes e pequenos --e governadores dos principais partidos do país.
Isso obrigará os governadores que tomaram posse no início do ano a apertar os cintos, porque a oferta de crédito nos bancos federais e os repasses do Tesouro Nacional para obras tendem a minguar, e as receitas continuarão sofrendo com a crise econômica.
A equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, indicou que espera que Estados e municípios alcancem um superavit de R$ 11 bilhões neste ano, o equivalente a 17% da meta de economia estabelecida para o setor público, de R$ 66 bilhões, incluindo o governo federal e as estatais.
No ano passado, os governos estaduais tiveram deficit de R$ 13,2 bilhões, pela metodologia adotada pelo Banco Central, e de R$ 11,7 bilhões pelos balanços locais, sem incluir o Amapá, que ainda não publicou os dados.

ESCALADA
Em valores absolutos, os maiores rombos foram contabilizados no Rio de Janeiro, no Paraná e em Pernambuco --comandados, respectivamente, pelo PMDB, pelo PSDB e pelo PSB, todos vitoriosos nas últimas eleições.
Como proporção da economia local, o maior deficit é o do Acre, onde o PT conquistou nas urnas o quinto mandato seguido. Os Estados superavitários foram São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Norte, Sergipe, Pará, Rondônia e Roraima.
A escalada dos gastos nos Estados foi amparada por políticas adotadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff para estimular a economia, com ampliação do crédito nos bancos oficiais.
O aumento das despesas ocorreu num período em que a arrecadação de impostos --incluindo tributos federais compartilhados com os governos regionais-- acompanhou o esfriamento da economia, agravada no ano passado.
Agora, tanto o Palácio do Planalto quanto boa parte dos governadores enfrentam resistências contra os inevitáveis pacotes de ajuste fiscal.
No Paraná, o tucano Beto Richa teve de recuar em suas propostas de redução das despesas com o funcionalismo público na semana passada, quando servidores invadiram a Assembleia Legislativa.
Medidas que incluem cortes orçamentários e aumento de impostos também estão em debate no Distrito Federal --onde o governo foi obrigado a atrasar salários-- e em Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Novos salários, algumas questões


Novos salários, algumas questões

Marco Milani

Recentemente, os deputados federais e senadores brasileiros reajustaram seus vencimentos em 26%. Assim, cada parlamentar receberá, a partir de 2015, a remuneração mensal de R$ 33,7 mil. Esse fato merece algumas considerações pela natural repercussão que provoca.
Inicialmente, destaca-se que a Constituição Federal permite os parlamentares aumentarem os próprios salários para o próximo mandato, portanto não se trata de ato ilegal.
Considerando apenas a recomposição do poder aquisitivo da moeda, o reajuste aprovado reflete a inflação acumulada no período de quatro anos, dessa maneira, não é uma correção abusiva.
O novo valor também é compatível com o salário de um executivo em uma grande empresa, logo não é incomum.
Então, não sendo ilegal, abusivo ou incomum, haveria motivos para críticas?
 Apesar de legal, a possibilidade de legislar sobre a própria remuneração desperta questionamentos éticos, uma vez que existe claro conflito de interesses.
Apesar da justa recuperação do poder de compra da moeda, tal índice de correção se mostra superior aos índices geralmente praticados nas diversas categorias do funcionalismo público, privilegiando quem pode legislar em causa própria. Por outro lado, essa decisão balizará, em efeito cascata, os salários de deputados estaduais e vereadores em todo o país, com impacto direto no equilíbrio orçamentário de todas as regiões.
Apesar de ser um salário compatível a executivos corporativos, a remuneração do parlamentar brasileiro é considerada uma das mais elevadas perante os seus pares no mundo. A remuneração bruta nominal recebida por senadores brasileiros assemelha-se aos valores recebidos pelos senadores italianos, um dos mais bem remunerados da Europa. E quando a comparação é feita em termos relativos, existe uma distância significativa entre os países.
Em levantamento feito em 2013 pela revista inglesa The Economist, os parlamentares brasileiros ganhavam por ano o equivalente a 13 vezes o valor do PIB per capita do país, enquanto os italianos recebiam, proporcionalmente, menos de 4 vezes. Na Europa, em geral, os salários dos parlamentares eram inferiores a 2,5 vezes o valor do PIB per capita de cada nação.
Porém, o que faz com que os representantes do povo se diferenciem da maioria dos brasileiros não são somente os 15 salários que recebem por ano, mas são os ganhos indiretos. Cada parlamentar tem direito a verbas e cotas que, mensalmente, podem somar cerca de R$ 165 mil por senador e R$ 85 mil por deputado federal. Dessa maneira, o salário é a menor parte dos gastos que a União tem com cada parlamentar.
Em quase todas as nações os representantes públicos contam com verbas adicionais, mas qual seria o resultado comparativo se somássemos todos os benefícios? Verificaríamos que o custo do parlamentar brasileiro aos cofres públicos é igual ou superior ao de países considerados de primeiro mundo.
Se considerarmos as vultuosas campanhas que candidatos aos cargos eletivos costumam fazer, é de se esperar que os valores gastos não sejam compensados na forma exclusiva de salários, mas isso não quer dizer que devam procurar maximizar seus ganhos privados em funções públicas.
Diante da atual situação brasileira, com pífio crescimento econômico e necessidade de ajustes fiscais, os representantes do povo perderam a oportunidade de, ao menos, exemplificarem o que expressam em seus inflamados discursos sobre austeridade.



Por que as nações fracassam? Ou: Precisamos construir instituições sólidas, não de heróis messiânicos


Por que as nações fracassam? Ou: Precisamos construir instituições sólidas, não de heróis messiânicos.

Rodrigo Constantino

Um dos livros mais importantes dos últimos anos foi Why Nations Fail, de James Robinson e Daron Acemoglu. Partindo do mesmo espírito questionador de Adam Smith, os dois mergulharam em inúmeros dados e na história de vários países para compreender o que tornou alguns ricos enquanto outros permaneceram no estado natural de penúria.
Esqueçam Thomas Piketty e esse papo cansativo de “desigualdade social”. O foco é descobrir como retirar milhões da miséria, e não pensar em tirar dos mais ricos para dar aos mais pobres. A resposta encontrada pelos autores converge para uma palavra, de forma um tanto resumida: instituições. São essas que fazem toda a diferença do mundo.
Nos países pobres, uma elite seleta controla a política e, com isso, a economia. A sociedade acaba organizada de forma a atender apenas aos interesses desse pequeno grupo, à custa do restante do povo. Já países como Inglaterra e Estados Unidos conseguiram se livrar dessa elite política que controlava o poder e criar direitos políticos bem mais distribuídos pela sociedade, com instituições mais inclusivas.
O governo, nesses casos, passou a ser alvo do escrutínio dos eleitores, e teve de responder a suas cobranças. Sem amarras artificiais criadas pelo próprio governo para beneficiar apenas a elite política, criou-se um ambiente de amplas oportunidades econômicas para todos, por meio de uma economia de livre mercado competitiva.
Os autores comparam duas cidades coladas uma na outra, só que uma nos Estados Unidos e a outra no México. A diferença é enorme. Ao atravessar a fronteira já fica claro para o visitante que mudou de país. A origem de ambas as populações é a mesma, e o clima, o solo, as condições naturais são iguais. Mas uma é parte dos Estados Unidos, com tudo o que isso representa do ponto de vista do legado institucional, enquanto a outra é mexicana.
Há nela, portanto, incerteza jurídica, ausência de império das leis, burocracia excessiva, risco de expropriação arbitrária, altos impostos, falta de um mercado desenvolvido de crédito, monopólios estatais, etc. São as barreiras artificiais criadas pelo governo mexicano que impedem o avanço da cidade.
Nos Estados Unidos, especialmente durante o século XX, havia grande liberdade econômica e relativa segurança jurídica. Os direitos eram bem estabelecidos, e os inovadores, como Thomas Edison, podiam ficar ricos vendendo suas ideias patenteadas ou criando seus próprios negócios, obtendo crédito de terceiros. Os empreendedores, que são os que criam riqueza, eram bem tratados, encontravam um ambiente competitivo e amigável aos seus negócios.
No México, o homem mais rico é Carlos Slim, ícone de um capitalismo de laços com o estado. Sua simbiose com as elites políticas sempre foi enorme, causa de seu sucesso. Quando resolveu investir nos Estados Unidos, não teve a mesma taxa de sucesso, pois não tinha como manipular as regras do jogo a seu bel prazer. No México ele foi capaz de erguer inúmeras barreiras de entrada a novos concorrentes, algo inexistente nos Estados Unidos.
Se um país pretende deixar a miséria para trás, ele precisa de boas instituições econômicas, que ofereçam incentivos adequados para se poupar, investir, inovar e adotar novas tecnologias. A conclusão dos autores é que são as instituições políticas que moldam essas instituições econômicas. O grande desafio é construir tais instituições, sabendo que elas beneficiariam a imensa maioria da população, mas retirariam poder das elites incrustadas no estado obeso e intervencionista.
A América Latina, em sua história, sempre padeceu de um risco populista, justamente porque suas instituições políticas são frágeis e dão a oportunidade para que aventureiros e voluntaristas surjam como salvadores da Pátria, com mensagens messiânicas de que vão mudar tudo da noite para o dia, derrubar as velhas elites poderosas, apenas para colocar novas no lugar. Não é dessa forma que vamos progredir rumo à civilização avançada.
Não há substituto para o trabalho árduo e gradual que crie as bases institucionais mais sólidas. Não há atalhos para esse destino. Não se pode decretar simplesmente o progresso. O maior desafio do Brasil para as próximas décadas será construir suas instituições republicanas e democráticas, hoje tão ameaçadas pelo populismo bolivariano do PT, de forma séria e sustentável. Espero que consigamos.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Choques e tolerância - Marco Milani



(Texto publicado no jornal Correio Popular - Campinas, em 9/2/15)

Choques e tolerância

Marco Antonio F. Milani Filho*

No início da década de 1990, os cientistas políticos Samuel Huntington e Francis Fukuyama estimularam interessantes debates na comunidade acadêmica ao apresentarem perspectivas diferentes sobre o que poderia acontecer no cenário político mundial após o fim da guerra fria. Ambos adotaram a queda do muro de Berlim como símbolo do fracasso do socialismo que orientava os regimes totalitários da Europa oriental e, principalmente, como um divisor histórico para a humanidade.
Para Fukuyama, a democracia e o liberalismo econômico representariam o ápice a ser atingido por sociedades desenvolvidas capazes de satisfazerem as aspirações mais profundas e fundamentais de seus integrantes. Essa situação promoveria o equilíbrio previsto por Hegel com o fim dos processos históricos e conflituosos de mudanças. A democracia liberal se instalaria nos países com economias maduras, enquanto os países economicamente mais frágeis ainda correriam o risco de captura por regimes totalitários socialistas.
Huntington, por sua vez, acreditava que a derrocada socialista apenas alteraria a fonte de conflitos na nova ordem mundial, deixando de ser ideológica no sentido político e econômico entre os povos, para ser primordialmente cultural. Os estados-nações permaneceriam como os grandes atores da geopolítica global, porém a origem das tensões políticas não seria especificamente entre eles, mas com grupos culturalmente homogêneos participantes de diferentes civilizações.
Desde 2001, com o ataque terrorista às torres gêmeas em Nova Iorque, Huntington passou a ser lembrado recorrentemente nas discussões sobre a animosidade entre sociedades ocidentais e fanáticos religiosos do oriente médio. Recentemente, a violência praticada na Nigéria pelo grupo fundamentalista islâmico Boko Haram e o atentado de radicais muçulmanos contra os cartunistas do periódico Charlie Hebdo, na França, reacenderam as questões envolvendo choques culturais.
Afinal, é possível imaginar um mundo integrado e harmonizado sob os aspectos políticos, econômicos e culturais? A resposta é complexa, pois pode implicar no domínio hegemônico ou na imposição de determinado pensamento entre pessoas com cosmovisões diferentes.
Ainda que as predições de Huntington e Furukawa não tenham se concretizado integralmente até o momento, elas permanecem fomentando discussões futurísticas.
Somos todos seres humanos compartilhando o mesmo planeta e todos almejamos uma situação de bem-estar e felicidade, ainda que esses termos assumam significados diferentes conforme o entendimento de cada um. A suposição de felicidade para alguns talvez seja ver os adversários ideológicos dizimados e suas crenças religiosas predominarem sobre todas as demais.
O grande desafio que nos aflige é como administrar a intolerância e aumentar o bem-estar entre os povos com a garantia das liberdades individuais. Sem tolerância às diferenças não é possível haver convivência pacífica e, lamentavelmente, intolerantes existem em qualquer lugar e são fomentados por regimes totalitários.
Paradoxalmente, ideologias e religiões podem favorecer o respeito ou a destruição do próximo. Cabe a nós escolhermos. 

* Economista. Pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Unicamp.