quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Brasil: há esperança


Uma porta para o século 21

Editorial do Jornal O Estado de São Paulo – p. A3 – 04/08/2016

O Brasil tem uma nova chance de ser uma economia do século 21, produtiva, eficiente, inovadora, capaz de competir em todo o mundo e de criar oportunidades para todos. Para isso terá de se integrar na cadeia internacional de produção, numa política inteiramente oposta àquela implantada em 2003. Naquele ano o PT assumiu o governo federal e decidiu manter o País, apesar de todo o seu potencial, na terceira divisão da economia global. Na terceira, de fato, porque na segunda jogam os emergentes guiados por uma pauta de modernização e administrados de forma prudente e pragmática. O caminho para a modernidade passa por uma nova política de comércio e de desenvolvimento produtivo, tal como propõe estudo elaborado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), de São Paulo, e pelo Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), do Rio de Janeiro.
Abertura é apenas uma das marcas dessa política, já testada com resultados muito bons em dezenas de países. Mas a palavra abertura provoca reações negativas em muitos empresários e sindicalistas.
Para uma parcela significativa do empresariado, é sempre muito cedo para reduzir tarifas e abandonar políticas de conteúdo nacional, como se o Brasil estivesse ainda no estágio da industrialização nascente. A reação negativa inclui, quase sempre, referências a desajustes macroeconômicos, a problemas de competitividade e à cobrança de incentivos governamentais.
Do lado sindical, o discurso costumeiro inclui o risco do desemprego como efeito da competição estrangeira – um temor explorado com sucesso em campanhas como a do republicano Donald Trump. Para evitar a mistificação e neutralizar a conversa dos aproveitadores do atraso e dos favores oficiais, é preciso pôr a discussão nos termos corretos.
Não há como pensar separadamente, em especial num país emergente ou em desenvolvimento, as políticas comercial, de crescimento e de modernização da economia. Para começar, a agenda proposta nos estudos do Cindes e do CDPP inclui uma revisão e reorganização de tarifas de importação em níveis diferenciados. Haveria redução, até porque muitas tarifas são escandalosamente altas, mas nenhum setor seria entregue sem proteção, de um dia para outro, aos competidores estrangeiros. A mudança, no entanto, deveria ser suficiente para estimular os empresários a pensar com mais seriedade em temas como produtividade e qualidade.
A mudança deveria incluir, naturalmente, a eliminação da política de conteúdo nacional, ineficiente, custosa e estimulante de bandalheiras, como ficou evidenciado na experiência dos últimos anos. Essa política foi um dos componentes da devastação econômica e financeira da Petrobrás. Outra aberração, o programa de criação de campeãs nacionais, já foi abandonada, depois de muitos erros e de muito desperdício de dinheiro público. A liquidação final e completa dos benefícios fiscais a setores selecionados também é inadiável.
Os itens listados até aqui compõem um programa de profilaxia econômica e até moral. Mas uma reforma efetiva tem de incluir uma porção de outros itens. Não é necessário um estudo assinado por economistas de primeiro time para listar algumas das mudanças mais importantes. É preciso tornar a tributação menos prejudicial ao investimento, à formação de custos e à competitividade. É indispensável diminuir a burocracia oficial e simplificar o cumprimento de exigências legais pelas empresas. É urgente mudar a diplomacia econômica, para facilitar a integração do País nos principais fluxos de comércio e de produção – o oposto do terceiro-mundismo em vigor a partir de 2003. É indispensável tornar mais eficiente o governo e revitalizar o investimento público.
Resta, enfim, passar a limpo a política educacional, a longo prazo o fator mais importante da competitividade. São mudanças politicamente complicadas, tanto mais quanto mais o empresariado insistir na manutenção do protecionismo, dos favores fiscais e financeiros e da mediocridade.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-porta-para-o-seculo-21,10000066885

A Justiça e os baderneiros: sobre os movimentos grevistas nas universidades públicas



A Justiça e os baderneiros

Editorial do Jornal O Estado de São Paulo – p. A3 – 04/08/2016

Na mesma semana em que alunos da Unicamp invadiram a reunião do Conselho Universitário para protestar contra o corte do ponto de servidores em greve desde maio e organizaram piquetes para tentar obstruir o início do semestre letivo, o juiz Guilherme Fernandes Cruz, da 9.ª Vara Civil de Campinas, acolheu uma ação por dano moral impetrada pelo professor Serguei Popov, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, contra os estudantes que o têm impedido de dar aula, batendo bumbo na sala de aula e apagando o que escreve no quadro negro. O magistrado também determinou a retirada das redes sociais de textos e imagens ofensivas ao docente, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia. Foi a primeira vez na história da Unicamp que um professor recorreu à Justiça sem medo das retaliações dos grupelhos radicais. Com a decisão, a maioria dos alunos defendeu o fim de qualquer tipo de protesto e a retomada das aulas.
Infelizmente, atos de baderna não são raros nas universidades públicas paulistas. Desde que um pequeno grupo de alunos e servidores da USP, Unicamp e Unesp entrou em greve, há três meses, portões de acesso aos campi têm sido trancados, prédios administrativos têm sido ocupados e depredados e batucadas impedem os professores de lecionar. Em algumas unidades, o barulho é tanto e as agressões morais são tão violentas que docentes não conseguem permanecer em suas salas.
Nas três universidades públicas estaduais, esses grupelhos de estudantes e servidores manipulados por pequenos partidos de esquerda radical justificam o vandalismo e as agressões morais em nome da luta pela implantação de democracia direta. Segundo eles, suas “intervenções em sala são discutidas coletivamente em assembleia e têm como objetivo central a discussão democrática e a garantia de que nenhum grevista será prejudicado com a aplicação de provas, trabalhos e faltas”.
Numa afronta à ordem jurídica, também afirmam que “as greves por si sós já preveem que as aulas não aconteçam e, portanto, quem insiste em contrariar essa decisão estaria desrespeitando o direito de greve, tentando impor o interesse individual sobre a decisão coletiva e democrática”. E ainda acusam os dirigentes universitários de se negarem a “discutir” as reivindicações. O problema é que, por serem irrealistas, elas foram formuladas para não serem atendidas, dando a esses grupelhos o pretexto para praticar agressões e vandalismos. Apesar da grave crise financeira de todo o setor público, os servidores querem reajustes salariais e mais vagas em creches e os estudantes pedem mais alojamentos e restaurantes. O denominador comum dos protestos das duas categorias é a acusação de que o governo estadual estaria “desmontando” a USP, a Unicamp e a Unesp.
O desgaste das reivindicações e a banalização das agressões, intimidações e ocupações são apenas um dos lados do problema. O outro lado é a invocação de um arremedo de democracia direta como manto que oculta a defesa de ideologias autoritárias e a usurpação, por assembleias controladas por minorias radicais, de direitos e deveres estabelecidos pela Constituição. Qualquer reação das autoridades com base na lei é convertida em denúncia de “criminalização” do movimento estudantil. Qualquer pedido judicial de reintegração de posse é classificado como arbítrio. A tentativa de aplicação de sanções a quem afronta regimentos e leis é denunciada como opressão. E os professores que manifestam nos órgãos colegiados sua indignação com esse estado de coisas se tornam vítimas de ataques à sua honra pelas redes sociais.
No Estado de Direito, demonstrações de intolerância e radicalismo como essas não podem ser toleradas, sob o risco de destruir não só as mais importantes universidades do País, mas, também, as instituições democráticas. Por reafirmar essa lição básica e impedir que minorias radicais continuem tumultuando os campi universitários, a decisão do juiz da 9.ª Vara Civil de Campinas não poderia ter vindo em melhor hora.