terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Choques e tolerância - Marco Milani



(Texto publicado no jornal Correio Popular - Campinas, em 9/2/15)

Choques e tolerância

Marco Antonio F. Milani Filho*

No início da década de 1990, os cientistas políticos Samuel Huntington e Francis Fukuyama estimularam interessantes debates na comunidade acadêmica ao apresentarem perspectivas diferentes sobre o que poderia acontecer no cenário político mundial após o fim da guerra fria. Ambos adotaram a queda do muro de Berlim como símbolo do fracasso do socialismo que orientava os regimes totalitários da Europa oriental e, principalmente, como um divisor histórico para a humanidade.
Para Fukuyama, a democracia e o liberalismo econômico representariam o ápice a ser atingido por sociedades desenvolvidas capazes de satisfazerem as aspirações mais profundas e fundamentais de seus integrantes. Essa situação promoveria o equilíbrio previsto por Hegel com o fim dos processos históricos e conflituosos de mudanças. A democracia liberal se instalaria nos países com economias maduras, enquanto os países economicamente mais frágeis ainda correriam o risco de captura por regimes totalitários socialistas.
Huntington, por sua vez, acreditava que a derrocada socialista apenas alteraria a fonte de conflitos na nova ordem mundial, deixando de ser ideológica no sentido político e econômico entre os povos, para ser primordialmente cultural. Os estados-nações permaneceriam como os grandes atores da geopolítica global, porém a origem das tensões políticas não seria especificamente entre eles, mas com grupos culturalmente homogêneos participantes de diferentes civilizações.
Desde 2001, com o ataque terrorista às torres gêmeas em Nova Iorque, Huntington passou a ser lembrado recorrentemente nas discussões sobre a animosidade entre sociedades ocidentais e fanáticos religiosos do oriente médio. Recentemente, a violência praticada na Nigéria pelo grupo fundamentalista islâmico Boko Haram e o atentado de radicais muçulmanos contra os cartunistas do periódico Charlie Hebdo, na França, reacenderam as questões envolvendo choques culturais.
Afinal, é possível imaginar um mundo integrado e harmonizado sob os aspectos políticos, econômicos e culturais? A resposta é complexa, pois pode implicar no domínio hegemônico ou na imposição de determinado pensamento entre pessoas com cosmovisões diferentes.
Ainda que as predições de Huntington e Furukawa não tenham se concretizado integralmente até o momento, elas permanecem fomentando discussões futurísticas.
Somos todos seres humanos compartilhando o mesmo planeta e todos almejamos uma situação de bem-estar e felicidade, ainda que esses termos assumam significados diferentes conforme o entendimento de cada um. A suposição de felicidade para alguns talvez seja ver os adversários ideológicos dizimados e suas crenças religiosas predominarem sobre todas as demais.
O grande desafio que nos aflige é como administrar a intolerância e aumentar o bem-estar entre os povos com a garantia das liberdades individuais. Sem tolerância às diferenças não é possível haver convivência pacífica e, lamentavelmente, intolerantes existem em qualquer lugar e são fomentados por regimes totalitários.
Paradoxalmente, ideologias e religiões podem favorecer o respeito ou a destruição do próximo. Cabe a nós escolhermos. 

* Economista. Pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Unicamp.


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