quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Progressismo ilusório

 


Progressismo ilusório

 
Marco Milani
 

Em um contexto efetivamente progressista, o movimento dialético sinaliza para o constante aprimoramento das ideias e das relações humanas diante de contradições e divergências existentes, reforçando o que deu certo e revendo o que não foi satisfatório ou aquilo que pode e deve ser melhorado. Trata-se de dinamismo natural de diferentes aspectos da vida em sociedade e contribui para o avanço e aplicação do conhecimento acumulado e inovações.

Nesse sentido, o verdadeiro progressismo abraça e respeita diferentes ideias e cosmovisões, de maneira a promover um diálogo necessário e tolerante, para se identificar os pontos antagônicos e semelhantes que resultariam em uma síntese temporária para servir de referência a novos aperfeiçoamentos diante dos fatos e da razão.

Uma característica fundamental desse processo é a preservação do que se mostra válido e útil sem buscar-se o seu desvirtuamento, ou seja, não se objetiva destruir o que já foi conquistado fruto desse mesmo movimento evolutivo, mas busca-se novos aprimoramentos diante do aumento do conhecimento sobre a realidade sem prejuízo à situação geral. Progresso, portanto, não implica destruição ou substituição integral do passado.

Sob a perspectiva hegeliana, o saudável embate de ideias fomenta a dialogicidade entre todas as partes, portanto, qualquer um que se colocar a favor do aprimoramento do conhecimento e das relações humanas, independentemente de preferências e rótulos políticos, é progressista.

Ardilosamente, entretanto, o termo foi capturado por estrategistas para designar, exclusivamente, determinado segmento político-ideológico e estigmatizar todos os adversários como contrários ao progresso. Dessa maneira, procurou-se ressignificar o termo progressista ao vinculá-lo a uma agenda ideológica que separa o mundo, sob uma ótica maniqueísta, entre bons e maus, oprimidos e opressores, humanistas e misantropos, caridosos e egoístas.

Assim, ao descaracterizar o seu significado original e subverter a abrangência de seu sentido, tenta-se monopolizar as virtudes e demonizar ideias antagônicas, contrariando a essência do processo dialético.

Igualmente à subversão semântica, termos tradicionalmente presentes e relevantes na história política ocidental, como liberal e conservador, passaram a ser maliciosamente utilizados pelos novos “progressistas” como sinônimos de ganância, atraso e imobilismo. Com esses novos significados, justificar-se-iam ações violentas e regimes totalitários para livrar a sociedade da presença desses seres moralmente desprezíveis. Essa atitude expressa a contradição daqueles que se afirmam democráticos e tolerantes, mas não suportam o diferente.

Os fatos, entretanto, desmentem as narrativas criadas para iludir e vilipendiar a população em geral sobre o que realmente favorece as relações humanas e o progresso econômico. Países compatíveis com essa ressignificação não costumam apresentar os resultados prometidos. Que o digam os regimes “progressistas” de Cuba, Coreia do Norte e Venezuela.

 

* Marco Milani é Economista, Pós-Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e Livre-Docente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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