segunda-feira, 25 de abril de 2016

Juros e fantasias econômicas


Juros e fantasias econômicas

Marco Milani*

(Texto publicado no jornal Correio Popular - Campinas - 25/04/16 - p.2)

No Brasil, é comum nos depararmos com críticos do pagamento do serviço da dívida pública, a qual representa cerca de 45% do Orçamento Geral da União. Supõem ser esse compromisso um dos responsáveis diretos pela crise econômica ao restringir investimentos em áreas essenciais para o desenvolvimento do país. Alegam que os juros da dívida são extorsivos e destinados a enriquecer banqueiros e poucos investidores.
Àqueles que desconhecem o funcionamento da economia e são movidos por paixões utópicas, esse discurso de demonização financeira parece fazer sentido. Acreditam que, ao criticar os juros, estão lutando contra o capitalismo, o inimigo de todas as horas para um mundo mais justo. Entretanto, em uma reflexão mais próxima da realidade, essa argumentação mostra-se falsa e alienante.
Em operações totalmente regulares e fiscalizadas, o Tesouro Nacional capta recursos para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal. Para isso, pode emitir títulos públicos para que pessoas físicas ou jurídicas comprem esses papeis com a expectativa de serem remuneradas a taxas definidas em determinado período.
O risco envolvido nessas operações está atrelado à capacidade do devedor (governo) em honrar seus compromissos e isso é refletido nos níveis de juros contratados. Adicionalmente, quanto maior o grau de segurança jurídica nessas negociações e maiores as taxas oferecidas, maior a atração para que investidores comprem esses títulos e transfiram recursos aos cofres públicos.
Aproximadamente metade dos credores do governo é formada por fundos de investimento e, ao contrário do que a insensatez ideológica dissemina, os proprietários desses fundos não são os grandes bancos, pois esses somente administram esses fundos. Os verdadeiros donos podem ser você, eu, seus pais, seus vizinhos ou qualquer um que tenha recursos, ainda que modestos, aplicados em instituições financeiras. As instituições financeiras respondem por cerca de um terço do total de credores.
Destaca-se, também, que muitos fundos de pensão lastreiam suas aplicações em títulos públicos. Isso significa que a aposentadoria de milhares de trabalhadores depende da estabilidade e rentabilidade desses fundos.
Assim, deixar de pagar ou tentar renegociar o pagamento do serviço da dívida, como propõem os críticos utópicos achando que punirão os ricos, é uma insensatez atroz, pois implicaria em dar o calote em todos os credores, incluindo os pequenos e médios investidores e aposentados. O maior impacto, entretanto, seria a imediata suspensão do fluxo de recursos do mercado para o governo, paralisando novas captações e abalando a credibilidade do país nos cenários interno e externo.
 Não existem operações de financiamento em que o governo seja uma vítima ingênua de desalmados investidores. É o Tesouro Nacional quem procura os investidores e estabelece as taxas de juros contratuais porque necessita de caixa.
Se a administração pública é eficiente e eficaz na alocação de recursos, isso já é outra questão...

* Economista. Pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da UNICAMP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário