sábado, 3 de maio de 2014

Capital no século XXI - uma análise crítica por The Economist


Um Marx moderno

O livro sensação de Thomas Piketty é uma grande peça acadêmica, mas um pobre guia para políticas públicas.

Quando o primeiro volume de "Das Kapital ", de Karl Marx, foi publicado em 1867, ele levou cinco anos para vender mil cópias em sua versão original em alemão. Ele não foi traduzido para o inglês por duas décadas e The Economist não o mencionou até 1907. Em comparação, o livro "Capital do Século XXI", de Thomas Piketty, é uma sensação da noite para o dia. Originalmente publicado em francês (quando nós o revisamos pela primeira vez), a encorpada obra do Sr. Piketty sobre renda e distribuição de riqueza tornou-se um bestseller desde que a tradução em inglês apareceu em março. Nos Estados Unidos ele é o livro mais vendido na Amazon, incluindo-se os livros de ficção.
O sucesso do livro tem muito a ver com o fato de ser sobre o assunto certo, na hora certa. Desigualdade, subitamente, tornou-se um tópico febril, especialmente nos EUA. Tendo por anos desconsiderado as lacunas entre os que têm e os que não têm, como se isso fosse uma obsessão europeia, os norte-americanos, feridos pelos excessos de Wall Street, repentinamente estão falando sobre os ricos e a redistribuição. Daí a atração de um livro que afirma que a crescente concentração de riqueza é inerente ao capitalismo e recomenda um imposto global sobre a riqueza como uma solução progressista.
"Capital" foi devidamente arrebatado pela esquerda, enfureceu a direita e temperou com pitadas de ciência econômica a mente popular. Mas se o Sr. Piketty deu o tom do debate sobre a desigualdade, o mundo ficará pior por isso. Assim como para o seu homônimo do século 19, "Capital" contém alguns elementos acadêmicos maravilhosos, mas como um guia para a ação ele é profundamente falho.
"Capital" faz três grandes contribuições em suas 577 páginas. Em primeiro lugar, o Sr. Piketty, um pioneiro no uso de estatísticas fiscais para medir a desigualdade, documenta minuciosamente a evolução da renda e da riqueza ao longo dos últimos 300 anos, particularmente na Europa e nos EUA. Ao fazer isso, ele mostra que o período de cerca de 1914 até a década de 1970 foi uma exceção histórica em que, tanto a desigualdade de renda quanto o estoque de riqueza (em relação à renda nacional anual) caíram drasticamente. Depois dos anos 1970, as diferenças de riqueza e de renda voltaram a aumentar de maneira semelhante àquela encontrada no período que antecedeu o século XX. Há certamente algumas confusões nessas estatísticas, mas esse trabalho tem transformado a compreensão da história da riqueza, com resultados de arregalar os olhos. Quem sabia, por exemplo, que o valor anual de heranças na França triplicou de menos de 5% do PIB nos anos de 1950 para cerca de 15%, não tão longe do pico de 25% do século XIX? Como uma peça de investigação empírica, o livro é indiscutivelmente brilhante.
A segunda contribuição do Sr. Piketty é apresentar uma teoria do capitalismo que explica esses fatos e oferece uma previsão para onde a distribuição da riqueza está se dirigindo. Seu argumento central é que o sistema de livre mercado tem uma tendência natural ao aumento da concentração de riqueza, porque a taxa de retorno sobre bens e investimentos tem sido consistentemente mais alta que a taxa de crescimento econômico. Duas guerras mundiais, a Grande Depressão e os altos impostos empurraram para baixo o retorno sobre a riqueza no século XX, enquanto o rápido aumento da produtividade e da população empurraram para cima o crescimento econômico. O Sr. Piketty argumenta que, sem esses fatores de compensação, os maiores retornos sobre o capital concentrarão a riqueza, especialmente em momentos como o de agora, em que o envelhecimento da população deverá diminuir o crescimento.
A expectativa de aumento da concentração da riqueza do Sr. Piketty não é bizarra. No entanto, é uma previsão baseada na extrapolação do passado, não em um modelo natural do capitalismo. Ele assume que os retornos do capital não cairão substancialmente mesmo quando o estoque de riqueza subir . Isso pode vir a ser verdade, mas a previsão de Piketty é uma hipótese, não uma lei inexorável.
É aí que começam os problemas, porque a terceira contribuição do Sr. Piketty é oferecer propostas de políticas que assumem que esta crescente concentração da riqueza não é somente inevitável, mas a coisa que mais importa. Ele prescreve um imposto global progressivo sobre o capital (uma taxa anual que poderia começar em 0,1% e atingir um máximo de talvez 10% sobre as maiores fortunas). Ele também sugere uma taxa punitiva de 80% sobre os rendimentos acima de US$ 500.000 ou algo assim.
Neste ponto o "Capital" deriva para a esquerda e perde credibilidade. O Sr. Piketty afirma, ao invés de explicar, que a concentração da riqueza deveria ser a prioridade a ser considerada (em oposição a, digamos, impulsionar o crescimento). Ele mal reconhece quaisquer compensações ou custos em sua agenda redistributiva. A maioria dos economistas, o bom senso e muitos empresários franceses argumentariam que o aumento dos impostos sobre a renda e a riqueza postergaria novos empreendimentos e a assunção de riscos; ele descuidadamente descarta isso. E sua lista do que se deve fazer é estranhamente rígida no seu foco de se tributar os ricos. Ele ignora maneiras de se ampliar a propriedade do capital, desde bônus de pequeno valor (baby bonds) até compensações governamentais de poupanças privadas. Alguns impostos sobre o capital poderiam se encontrar com naturalidade em um kit de medidas políticas do século XXI (impostos sobre heranças, em particular), mas eles não são a única ou mesmo a principal forma de garantir uma abrangente prosperidade.
O foco do Sr. Piketty em afogar os ricos cheira a ideologia socialista, não a erudição acadêmica. Isso pode explicar o porquê do "Capital" ser um campeão de vendas. Mas é um modelo pobre para a ação.

Fonte: The Economist


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