CRIME DE RESPONSABILIDADE
Editorial do Jornal O Estado de S. Paulo
– 16/11/04
Quando
começou a vir à luz o conteúdo das investigações da Operação Lava Jato, lançada
pela Polícia Federal (PF) em março deste ano para apurar a corrupção dentro da
Petrobrás, houve quem previsse que a dimensão dessa encrenca poderia comprometer
a realização das eleições presidenciais. Esse vaticínio catastrófico era obviamente
exagerado. Mas os acontecimentos dos últimos dias revelam que esse escândalo
sem precedentes não apenas compromete indelevelmente a imagem da maior empresa
brasileira e da cúpula do partido que controla o governo federal há 12 anos
inclusive o ex-presidente Lula e a presidente reeleita Dilma Rousseff, como
mostramos em editorial de sexta-feira , mas pode ser só a ponta de um gigantesco
iceberg.
Para
ficar apenas nos acontecimentos mais importantes dessa semana: a empresa holandesa
SBM Offshore, fornecedora da Petrobrás, fez um acordo com o Ministério Público
de seu país pelo qual pagará US$ 240 milhões em multas e ressarcimentos para
evitar processo judicial por ter feito "pagamentos indevidos" para
obter contratos no Brasil e em outros dois países. No Brasil, a CGU iniciou investigações
sobre as suspeitas de que cerca de 20 funcionários da Petrobrás teriam aceitado
suborno da empresa holandesa.
Na
quinta-feira, a auditoria PricewaterhouseCoopers anunciou que não vai assinar o
balanço contábil do terceiro trimestre da Petrobrás cuja divulgação foi por
essa razão adiada enquanto não conhecer as conclusões das investigações
internas da empresa sobre o escândalo, por temer o impacto do desvio de
recursos sobre os ativos da petroleira. Trata-se de uma precaução raramente
adotada por firmas de auditoria o que demonstra a gravidade da situação da
Petrobrás.
Na
sexta-feira, a Operação Lava Jato iniciou nova fase, colocando 300 policiais em
ação em cinco Estados São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais
mais o Distrito Federal, para cumprir 85 mandados de prisão ou de busca contra
executivos de empreiteiras e outros investigados por crimes de organização criminosa,
formação de cartel, corrupção, fraude à Lei de Licitações e lavagem de dinheiro.
Para começar, prenderam no Rio de Janeiro o ex-diretor de Serviços da Petrobrás
Renato Duque, indicado para o cargo por José Dirceu.
Enquanto
isso, chega a cerca de uma dezena o número de investigados da Lava Jato que
reivindicam o benefício da delação premiada, numa demonstração de que quem tem
o rabo preso no escândalo já percebeu que a casa caiu e a melhor opção é
entregar os anéis para salvar os dedos, como já fizeram o ex-diretor Paulo Roberto
Costa e o doleiro Alberto Youssef.
Diante
das surpreendentes proporções do esquema de corrupção armado dentro da maior
estatal brasileira com o objetivo de carrear recursos para o PT e seus aliados,
não surpreende que os dois presidentes da República no poder durante o período
em que toda essa lambança foi praticada soubessem perfeitamente o que estava
ocorrendo. Em 2010 Lula presidente e Dilma chefe da Casa Civil , o Palácio
do Planalto, por meio de veto aos dispositivos da lei orçamentária que bloqueavam
os recursos, liberou mais de R$ 13 bilhões para o pagamento de quatro contratos
de obras da Petrobrás, inclusive R$ 6,1 bilhões para a Refinaria Abreu e Lima,
em Pernambuco. O TCU havia chegado à conclusão de que esses custos estavam
superfaturados, mas Lula e Dilma entenderam que era preferível tocar as obras.
Só essa decisão comprova a responsabilidade desses políticos por um escândalo
que deixa o Caso Collor no chinelo.
De
fato, está registrada no Diário Oficial da União a prova documental da conivência
de dois presidentes da República com a corrupção na Petrobrás. É um escândalo
de dimensões mastodônticas que envolve todas as diretorias operacionais da
estatal, dezenas de executivos de empreiteiras e outro tanto de políticos de
praticamente todos os partidos mais importantes da base governista no desvio de
recursos estimados em pelo menos uma dezena de bilhões de reais.
Somente
alguém extremamente ingênuo, coisa que Lula definitivamente não é, poderia
ignorar de boafé o que se passava sob suas barbas. Já Dilma Rousseff de tudo
participou, como ministra de Minas e Energia e da Casa Civil e, depois, como presidente
da República.
Devem, todos os envolvidos
no escândalo, pagar pelo que fizeram ou não fizeram.
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