JOSÉ DIRCEU, POR ELE MESMO...
Entrevista
à Anna Virginia Balloussier – Jornal Folha de S.Paulo – 30/08/11
“Cheguei a ser coroinha, mas me
expulsaram - roubava hóstia”
“Me senti muito bem [no exílio] em Cuba.
A gente tinha supostos empregos, mas fazíamos treinamento militar”
“...andava armado. Tive amigos
seguranças que, hoje, são os médicos e advogados mais importantes do país”
Quando
saí de Passa Quatro [MG], fizeram festa. Era rebelde. Cheguei a ser coroinha, mas me expulsaram - roubava hóstia para comer
fora.
Vim
para São Paulo com 14 anos para trabalhar de office boy na praça da República.
Fui morar no edifício São Vito, demolido agora.
Nunca
mais pedi um centavo para o meu pai.
Quando
cheguei, já tinha lido os clássicos russos, ingleses... Era uma coisa difícil
conviver com certos grupos, porque eu queria ir ao teatro, e eles, ver filme de
guerra.
[No
31 de março de 1964], estava trabalhando. Os estudantes do Mackenzie desceram
comemorando [o golpe militar]. Falei: "Se os estudantes do Mackenzie estão a favor, estou contra". Era
uma escola elitista, reacionária.
Quando
entrei na PUC [no curso de direito], em 1965, foi uma decepção. Centro
acadêmico fechado, regime atrasado, separavam homem e mulher. Era quase um
cemitério, e comecei a lutar contra isso.
Diziam
que eu parecia o Ronnie Von das massas, o Alain Delon dos pobres. Brincadeira
do pessoal porque eu usava cabelo comprido, jeans, sapato sem meia. Mas eu
tinha uma garupa de ternos. Para irritar a direita, de vez em quando eu ia bem
elegante.
Depois
de 67 é que eu passo a viver clandestino. Já dormia em casas diferentes, andava armado. Tive amigos seguranças que, hoje, são os médicos e advogados mais
importantes do país.
Era
improvável que eu perdesse [a presidência da UNE, no congresso de 1968]. Mas aí
veio a repressão, fomos presos.
No
Dops [órgão de repressão do regime militar], foi uma pancadaria só. Deram
corredor polonês, sobrou pra todo mundo. Nos mandaram para a delegacia de São
Paulo, por uns 60 dias. [Lá] você compra de tudo: sanduíche, cerveja... Tem
jornal, rádio, livro. Depois, fomos para o quartel de Quitaúna [bairro de
Osasco], onde a barra pesou.
Não
tínhamos sido torturados. Pelo contrário, [os militares] fizeram tratamento de
dente para mostrar que não havia tortura. Viramos garotos-propaganda de uma
mentira.
Eles
não tinham condições de desaparecer conosco. Aí veio esse negócio do
embaixador, e fomos soltos [sequestro de um embaixador americano, trocado por
15 presos políticos em setembro de 1969].
Me senti muito bem [no
exílio] em Cuba. A gente tinha supostos empregos, mas fazíamos treinamento
militar. Você podia [se especializar em] clandestinidade, explosivo, tiro,
guerrilha. Fiz sem
paixão, por dever de ofício.
A
plástica eu fiz em 1971. Mudei rosto, lábio, olhos, um nariz adunco com
prótese. No espelho, foi: "Tô garantido, posso voltar para o
Brasil!".
Treinei
para viver clandestino. É como construir um personagem. Escolhi um nome -Carlos
Henrique-, a profissão, o modo de andar.
Vivi
assim de 1974 a 1979, no Paraná. Casei, tive um filho, era empresário. Até hoje, chego lá e todo mundo me recebe muito
bem, me chama de Carlos.
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