O Muro de Berlim não
foi um acidente histórico
Juan
Ramón Rallo*
A
derrubada do Muro de Berlim há 25 anos corre o risco de se converter em uma
mera efeméride sobre um passado quase pré-histórico em vez de uma valiosa
recordação sobre os horrores do socialismo real.
Como
é próprio da história, o passar do tempo tende a suavizar — e até mesmo a
ofuscar — as causas dos eventos e a ser mais cordial e tolerante com os
responsáveis diretos.
Olhar
friamente os relatos históricos dá a entender que o Muro foi apenas um
pitoresco acidente histórico, uma frivolidade feita por um regime megalômano —
uma frivolidade sem nenhuma conexão com o substrato ideológico desse regime.
No
entanto, o muro da vergonha socialista não foi nenhum acidente histórico: foi,
isso sim, a consequência natural e inexorável de uma ideologia que institucionalizava
a exploração do homem pelo homem, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, dizia
estar abolindo essa exploração.
Houve
— e ainda há — vários outros muros socialistas diferentes do berlinense: os
controles de circulação e a restrição à concessão de passaportes — além das
barreiras naturais, como estar cercado por um oceano — são, em muitos casos,
cárceres tão ou mais eficazes que a barreira alemã.
Pois
a exploração — a verdadeira exploração, aquela baseada na repressão sistemática
da liberdade — é forçosamente indivisível da ditadura do proletariado: não
porque a ditadura reconhece sem ambiguidades qual deve ser o destino dos
não-proletários, mas sim porque, inclusive dentre os proletários, existem
várias divergências de interesses entre eles, divergências essas que a ditadura
socialista só pode resolver por meio da coerção estatal — isto é, chancelando e
exercendo o uso da força policial e militar em prol de alguns proletários e em
detrimento de outros proletários (na realidade, em prol dos quadros com maior
poder dentro da burocracia socialista e em detrimento do coletivo dos
proletários).
E
todo regime assentado sobre a selvagem escravização do homem pelo homem terá de
erigir muros para impedir que os escravos fujam do jugo de seus senhores, especialmente
quando existem sociedades muito mais livres ao redor.
O
jornalista alemão Eugen Richter já havia entendido isso 70 anos antes da
construção do muro, de modo que ele foi capaz de antecipar de maneira
incrivelmente presciente que a eventual implantação do socialismo na Alemanha
seria seguida, necessariamente, por um rígido controle de fronteiras que
impediria as pessoas de fugir e as obrigaria a continuar sendo exploradas como
gado pelo estado.
Em
sua distópica novela Imagens de um Futuro Socialista, Richter escreveu:
Dado que os jovens já
receberam a adequada doutrinação de nossas instituições socialistas, e dado que
lhes foi ministrado o honorável propósito de dedicar todas as suas energias ao
serviço da comunidade, rapidamente deixaremos de necessitar de todos esses
burgueses e aristocratas [que querem deixar o país]. No entanto, todos eles têm a obrigação de ser
retidos dentro do país. (...) O governo [socialista] faz bem em impor
implacavelmente medidas para evitar a emigração. Par que essas medidas sejam eficazes, é
imprescindível enviar tropas para as fronteiras e para os portos. A fronteira com a Suíça vem recebendo atenção
especial por parte das autoridades. Já
foi anunciado que a vigilância foi intensificada e que as patrulhas foram incrementadas
em vários batalhões de infantaria e cavalaria.
Essas patrulhas têm ordens estritas para disparar indiscriminadamente
contra todo e qualquer fugitivo.
Sem
um celeiro de cobaias não há paraíso socialista. Por isso, os muros de contenção são imprescindíveis:
não para evitar que as "massas depauperadas pelo capitalismo" emigrem
em debandada para os paraísos socialistas, mas sim para evitar que as
"massas enriquecidas pelo socialismo" sejam tentadas a fugir para o
inferno da exploração capitalista.
Hoje,
lamentavelmente, alguns países capitalistas optaram por levantar barreiras para
impedir que populações estrangeiras busquem melhorar suas expectativas de vida
em seu solo. No entanto, os países
socialistas foram os únicos que tiveram de recorrer a muros físicos para reter
a sua própria população. Nem mesmo a
República Democrática da Alemanha, o mais rico entre os países socialistas, foi
suficientemente atraente para evitar que mais de 200.000 berlinenses cruzassem
anualmente as fronteiras antes da construção do Muro.
O
livre mercado se baseia na livre cooperação humana por meio de contratos
voluntários; contratos que, por serem voluntários, são mutuamente benéficos
para ambas as partes. O socialismo, por
sua vez, se fundamenta integralmente na coerção: na exploração violenta do
homem pelo homem. O Muro não foi uma
gafe histórica. Cada socialismo requer
seu próprio muro, seu próprio cárcere.
* Juan
Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de
economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
Fonte: Instituto Mises Brasil - http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1970
Nenhum comentário:
Postar um comentário