O
monopólio das virtudes
Marco Antonio F.
Milani Filho*
(texto publicado no Jornal Correio Popular - edição impressa de 10/11/14 - p.2)
Após
a acirrada corrida eleitoral, um dos resultados mais perceptíveis é a
constatação de que há algo no ar que necessita ser esclarecido e esse algo está
relacionado aos discursos proferidos por quem deseja semear a discórdia e o
conflito social. Desde quando pensar ou fazer escolhas diferentes significa
dividir? Se assim fosse, não existiria uma nação na face da Terra. Indivíduos
possuem perspectivas e preferências que não são, necessariamente, as mesmas de
todos. Apenas para aqueles que possuem o conceito totalitário de que a
convivência social deva ser precedida pela homogeneidade de pensamentos e
escolhas é que surge a imagem da divisão, simplesmente porque nem todos pensam
como eles.
Obviamente,
valores e princípios universais como o respeito à dignidade humana devem ser
comuns, mas devemos ter a liberdade de concordar ou discordar daquilo que
achamos, respectivamente, correto ou incorreto, verdadeiro ou falso, justo ou
injusto. Semear o ódio entre vencedores e perdedores de uma eleição democrática
é o exemplo de imaturidade política e debilidade cívica. Por uma questão de
liberdade de consciência, em momento algum devemos compactuar com o que não
considerarmos digno, como a corrupção, por exemplo, sob a pena de sermos
considerados omissos e cúmplices.
Há,
entretanto, um perigoso viés ideológico disseminado em determinadas linhas de
pensamento que desejam monopolizar as virtudes e demonizar quem não compartilha
da mesma visão de mundo. Nenhum partido político ou sistema de governo é a
encarnação do bem e nem os opositores representam o mal. Trata-se de um discurso
maniqueísta que lamentavelmente tenta disseminar a divisão de um povo para
poder atrair a ilusão de legitimidade para calar ou oprimir quem pensa
diferente. Esse é um risco real que enfrentaremos se aqueles que estão no poder
contribuírem com a disseminação de ideias anacrônicas que pregam o ódio e uma
suposta luta de classes, de gênero, de raça ou de orientação sexual. O discurso
de ódio é justamente esse que prega a divisão da população em categorias
antagônicas e excludentes para identificar e expurgar os diferentes, tal qual a
humanidade já viu acontecer em várias guerras fraticidas em defesa do “bem do
povo”. A história é testemunha de milhões de mortes em nome de uma concepção
exclusivista do que seria a justiça social.
A
busca partidarizada pela formação do senso comum e, consequentemente, pelo pensamento
hegemônico é preocupante, pois cerceia-se a liberdade de opinião e procura-se estabelecer
o que deve ser aceito e repudiado pela população em geral. O grupo que obtiver
sucesso nesse intento preparará o terreno para a sua perenidade no poder e
implantação de sua agenda ideológica.
Se
tivermos que combater alguma coisa, que essa seja a virulência e nocividade das
propostas dualistas que objetivam determinar o comportamento de quem está certo
(nós, os justos) e quem está errado (eles, os injustos) conforme os interesses
daqueles que as formulam. Não precisamos de justiceiros sociais monopolizadores
de virtudes sob a égide de ideologias totalitárias, mas de indivíduos com
liberdade de expressão e oportunidades de desenvolvimento em um estado de
direito.
* Economista. Pós-Doutor
pela Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP.
Fonte: http://correio.rac.com.br/jornal_impresso
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