(Texto publicado no jornal Correio Popular - Campinas, em 9/2/15)
Choques e tolerância
Marco Antonio F. Milani Filho*
No
início da década de 1990, os cientistas políticos Samuel Huntington e Francis
Fukuyama estimularam interessantes debates na comunidade acadêmica ao
apresentarem perspectivas diferentes sobre o que poderia acontecer no cenário
político mundial após o fim da guerra fria. Ambos adotaram a queda do muro de
Berlim como símbolo do fracasso do socialismo que orientava os regimes
totalitários da Europa oriental e, principalmente, como um divisor histórico
para a humanidade.
Para
Fukuyama, a democracia e o liberalismo econômico representariam o ápice a ser
atingido por sociedades desenvolvidas capazes de satisfazerem as aspirações
mais profundas e fundamentais de seus integrantes. Essa situação promoveria o
equilíbrio previsto por Hegel com o fim dos processos históricos e conflituosos
de mudanças. A democracia liberal se instalaria nos países com economias maduras,
enquanto os países economicamente mais frágeis ainda correriam o risco de
captura por regimes totalitários socialistas.
Huntington,
por sua vez, acreditava que a derrocada socialista apenas alteraria a fonte de
conflitos na nova ordem mundial, deixando de ser ideológica no sentido político
e econômico entre os povos, para ser primordialmente cultural. Os
estados-nações permaneceriam como os grandes atores da geopolítica global,
porém a origem das tensões políticas não seria especificamente entre eles, mas
com grupos culturalmente homogêneos participantes de diferentes civilizações.
Desde
2001, com o ataque terrorista às torres gêmeas em Nova Iorque, Huntington
passou a ser lembrado recorrentemente nas discussões sobre a animosidade entre
sociedades ocidentais e fanáticos religiosos do oriente médio. Recentemente, a
violência praticada na Nigéria pelo grupo fundamentalista islâmico Boko Haram e
o atentado de radicais muçulmanos contra os cartunistas do periódico Charlie
Hebdo, na França, reacenderam as questões envolvendo choques culturais.
Afinal,
é possível imaginar um mundo integrado e harmonizado sob os aspectos políticos,
econômicos e culturais? A resposta é complexa, pois pode implicar no domínio hegemônico
ou na imposição de determinado pensamento entre pessoas com cosmovisões
diferentes.
Ainda
que as predições de Huntington e Furukawa não tenham se concretizado
integralmente até o momento, elas permanecem fomentando discussões
futurísticas.
Somos
todos seres humanos compartilhando o mesmo planeta e todos almejamos uma
situação de bem-estar e felicidade, ainda que esses termos assumam significados
diferentes conforme o entendimento de cada um. A suposição de felicidade para
alguns talvez seja ver os adversários ideológicos dizimados e suas crenças
religiosas predominarem sobre todas as demais.
O
grande desafio que nos aflige é como administrar a intolerância e aumentar o
bem-estar entre os povos com a garantia das liberdades individuais. Sem
tolerância às diferenças não é possível haver convivência pacífica e,
lamentavelmente, intolerantes existem em qualquer lugar e são fomentados por
regimes totalitários.
Paradoxalmente,
ideologias e religiões podem favorecer o respeito ou a destruição do próximo.
Cabe a nós escolhermos.
* Economista. Pós-doutor pela
Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Unicamp.
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