31
de março de 1964: contra as visões maniqueístas
Rodrigo Constantino
Entende-se
aqueles que tentam, em esforço quase hercúleo, levantar o contexto da época do
golpe de 1964 e mostrar o lado positivo da ação dos militares, que teriam
evitado um golpe comunista do lado de lá. Afinal, a visão onipresente na
imprensa, nas escolas, em todo lugar é de um maniqueísmo chocante, que pretende
rescrever a história e pintar comunistas como democratas que foram vítimas do
nada.
Por outro
lado, tampouco devemos cair na tentação do maniqueísmo inverso, qual seja,
colocar os militares como “salvadores da Pátria”, mergulhar num saudosismo
absurdo de que tudo aquilo foi maravilhoso e fundamental para o país incluindo
duas décadas de ditadura. Seria agir como os esquerdistas desonestos, só que
com o sinal trocado.
Evitar tais
visões maniqueístas é o grande desafio, que o jornalista José Maria Silva, no
jornal Opção, consegue enfrentar com eficiência. Seu texto nos carrega para o
contexto da época, mostra como há um duplo padrão de julgamento hoje,
principalmente de uma esquerda que ignora os abusos cometidos pelo ditador
Getúlio Vargas, enquanto tenta demonizar os militares, como se a ditadura de 20
anos fosse desde o começo o único objetivo do que se passou em 31 de março de
1964.
Nada mais
falso. Esses revisionistas ignoram que os militares contaram com amplo apoio da
imprensa, da classe média, de milhões de brasileiros preocupados,
legitimamente, com a ameaça vermelha. Resgatar a verdade não interessa àqueles
que pretendem apenas usar tais eventos distantes para sua propaganda política e
ideológica, para posar de heróicos combatentes da ditadura pela democracia. Diz
o autor:
As novas
gerações foram e continuam sendo forçadas a pensar que os governos militares
pós-64 são a síntese de tudo de ruim que aconteceu na história do Brasil e que
nada houve pior do que isso. A se crer no tom horrorizado com que os formadores
de opinião repetem a expressão “ditadura militar”, tem-se a impressão de que
nem mesmo a escravidão se igualou em crueldade ao regime instaurado no País em
64. O regime militar tornou-se uma espécie de marco zero da iniquidade
nacional, projetando sua sombra devastadora no passado e no futuro, como se
fosse responsável retroativamente pelo extermínio dos índios pelos
bandeirantes, a escravidão do negro pelo português e até, projetivamente, pelos
escândalos de corrupção que continuam assolando a República.
A quem tal
distorção histórica interessa? Por que pintar um terrorista que sonhava com o
modelo ditatorial cubano para o Brasil, como Carlos Marighella, como um bravo
guerreiro da liberdade? Por que fingir que as atrocidades de Getúlio Vargas,
hoje respeitado e admirado por boa parte da esquerda, inclusive pelo ex-presidente
Lula, nunca ocorreram? Por que deixar passar em branco quem foi Luís Carlos
Prestes e como sua frieza sacrificou inocentes de carne e osso no altar de sua
utopia nefasta?
Em nome dos
fatos históricos e contra as diferentes visões maniqueístas, recomendo a
leitura do longo texto na íntegra. Segue seu desfecho:
Não se
constrói uma nação com base no maniqueísmo ideológico, que aniquila o senso
crítico e infantiliza os jovens, tornando-os presas fáceis de qualquer demagogo
de esquerda que se apresente como revisor do passado e senhor do futuro,
oferecendo a utopia da revolução como uma espécie de errata da própria
humanidade. A nação precisa ser criticamente educada para pensar o passado sem
exageros, reconhecendo os erros e acertos de cada período histórico. É
impossível, por exemplo, que, nos 21 anos que separam o golpe militar de 1964
da eleição de um presidente civil em 1985, o Brasil tenha sido apenas uma terra
arrasada por “anos de chumbo”, como querem fazer crer os Comitês da Vingança
que se arvoram a senhores da verdade. “O regime militar brasileiro não foi uma
ditadura militar de 21 anos” — é o que afirma o historiador Marco Antonio
Villa, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de São
Carlos, em seu livro “Ditadura à Brasileira”, com o qual eu e os fatos
concordamos integralmente. Até o final de 1968, antes do AI-5, o Brasil vivia
uma efervescência político-cultural mais intensa do que hoje. Depois da
Anistia, em 1979, também.
Mas não se
deve combater o mito guerrilheiro com outro mito — o do Exército salvador da
pátria, que, a cada ameaça comunista, é chamado a salvar a democracia a golpes
de Estado. O Brasil vive novamente um desses momentos cruciais de sua história,
em que as instituições estão sendo transformadas em instrumento da ideologia
esquerdista — o que leva alguns setores da sociedade, ainda que minoritários, a
pedir a volta dos militares. É suicídio. Uma nação adulta dispensa pais de
farda. A República brasileira não pode ser uma quartelada, com interregnos de
democracia em meio a uma história de arbítrios. Mas também não pode ser uma
eterna utopia, em que, à custa de construir um “outro mundo possível”, a
esquerda destrua cotidianamente o mundo real, atiçando pobres contra ricos,
negros contra brancos, mulheres contra homens, minorias contra maiorias, até
que, em meio a esse caos de conflitos forjados, tenhamos o pior dos conflitos:
militares contra civis — que é onde morre a democracia.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/historia/31-de-marco-de-1964-contra-as-visoes-maniqueistas/
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