Entrevista: Marta Suplicy
Marta critica Dilma, ataca colegas e afirma:
'Ou o PT muda ou acaba'
Eliane
Cantanhêde
10
Janeiro 2015 | 22h 00
Para a
senadora Marta Suplicy (SP), que foi deputada, prefeita e duas vezes ministra
pelo PT, o partido chegou a uma encruzilhada: “Ou o PT muda, ou acaba”. Em
entrevista ao Estado, Marta não assumiu explicitamente, mas deixou evidente que
está a um passo de sair do PT: “Cada vez que abro um jornal, mais fico
estarrecida com os desmandos. É esse o partido que ajudei a criar?”.
Articuladora
assumida do “Volta, Lula” em 2014, ela também deixou suficientemente claro que
o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, em alguns momentos, autorizou os
movimentos nesse sentido. Quanto ao governo Dilma: “Os desafios são
gigantescos. Se ela não respeitar a independência da equipe econômica, vai ser
desastroso para o Brasil”.
A
declaração mais irada foi contra o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que
ela julga “inimigo do Lula” e “candidatíssimo” a presidente em 2018, mas “vai
ter contra si a arrogância e o autoritarismo”. A seguir, os principais trechos
da entrevista:
Por que a senhora articulou o movimento
“Volta, Lula”?
Em
meados de 2013, os desmandos aconteciam e a economia ia de mal a pior. Foi aí
que disse ao Lula: ‘Presidente, está acontecendo uma coisa muito séria. O que o
senhor acha que está acontecendo?’ Conversamos a primeira, a segunda, a
terceira, a quarta vez... E ele dizia: ‘É verdade, estou conversando com ela,
mas não adianta, ela não ouve’. A coisa foi piorando e, um dia, ele disse: ‘Os
empresários estão se desgarrando...’. E perguntou se eu podia ajudar e
organizei um jantar na minha casa, já no início de 2014, com os 30 PIBs paulistas.
Foi do Lázaro Brandão a quem você quiser imaginar. Eles fizeram muitas críticas
à política econômica e ao jeito da presidente. E ele não se fez de rogado,
entrou nas críticas, disse que era isso mesmo. Naquele jeito do Lula, né?
Quando o jantar acabou, todos estavam satisfeitíssimos com ele.
E falaram nele como candidato?
Ninguém
falou claramente, mas todo mundo saiu dali com a convicção de que ele era, sim,
o candidato.
Ele admitia que queria ser?
Nunca
admitiu, mas decepava (sic) ela: ‘Não ouve, não adianta falar.’
Ele estava incomodado com Dilma?
Extremamente
incomodado. E isso é que foi levando ele a achar que tinha de ser o candidato e
fui percebendo que a ação dele foi mudando. A verdade é que ele nunca disse,
mas sempre quis ser candidato e achou que ia ser.
Por isso a senhora trabalhou pela
candidatura do Lula?
Sim,
providenciando os encontros para ele poder se colocar. Foi quando convidei
políticos, artistas para um grande encontro político. Convidei a Dilma, o
Mercadante e todos os ministros de São Paulo, avisando que o Lula estaria
presente. Todos confirmaram, mas, na véspera, todos cancelaram. E ela, Dilma,
também não foi. Nessa época, ainda estava confuso quem seria o candidato. Tinha
uma disputa. E, depois, quando ela virou candidatésima, ele não falava mais com
ela.
O Lula deixava uma porta aberta?
Quando
o Lula escolheu o Fernando Haddad para disputar a Prefeitura, eu avisei a ele
que eu ia sair do ministério, porque discordava da política econômica, da
condução do País, e ia voltar para o Senado. ‘E vou dizer que o candidato é o
senhor. A única que tem coragem de dizer isso publicamente sou eu e vou dizer’.
E ele: ‘Não vai, não, de jeito nenhum’. Eu: ‘Por quê?’ Ele: ‘Porque não é
hora’. Veja bem, ele não negou, ele disse que não era hora.
Depois, como evoluiu?
Um
dia, eu fui direta: ‘Lula, tem de ir pro pau, tem de ter clareza nisso’. E
listei pessoas com quem poderia conversar para dizer que ele tinha interesse,
que estava disposto. Aí ele disse que não, que não era para falar com ninguém.
O que eu ia fazer? Concordei. Só que, quando eu já estava saindo, perto da
porta, ele disse: ‘Pode falar com o Rui (Falcão, presidente do PT)’. Dois dias
depois, sentei duas horas e meia com o Rui e disse a ele: ‘A situação está
muito difícil eleitoralmente para o PT, mas muito difícil para o País. Porque
vai ser muito difícil a Dilma conduzir o País de outro jeito, você já conhece o
jeito dela’. Mas ele disse que íamos ganhar e que eu estava falando de coisas
que eu não entendia.
Acredita que o Lula queria ser
(candidato em 2014)?
Ele é
um grande estadista, mas não quis enfrentar a Dilma. Pode ser da personalidade
dele não ir para um enfrentamento direto, ou porque achou que geraria uma tal
disputa que os dois iriam perder.
E quando o próprio Lula encerrou de vez
o assunto?
Foi
quando ele disse: ‘Marta, acabou. Vamos trabalhar para a Dilma e pronto. Você
vai enfiar a camisa e trabalhar de novo’.
E a senhora, nunca pensou em ser
candidata?
A quê?
A presidente... Pensei sim. Quando era neófita, tinha clareza de que poderia
ser presidente. Depois, isso caiu por terra, até que um dia o Lula, no avião dele,
quando era presidente, me disse: ‘Minha sucessora vai ser uma mulher’. E pensei
que ou seria eu, ou Marina (Silva) ou Dilma. Logo vi aquela história de ‘mãe do
PAC’ e que era a Dilma. Pensei: ‘O que faço?’ Bom, ou ficava contra e não fazia
coisa nenhuma, ou ajudava. Mais uma vez, decidi ajudar. Sempre achei que ia
acabar ficando meio de fora das coisas, talvez pela origem, talvez por ser
loura de olho azul, não sei.
Como vê o governo Dilma?
Os
desafios agora são gigantescos, porque não se engendraram as ações necessárias
quando se percebeu o fracasso da política econômica liderada por ela. Em 2013,
esse fracasso era mais do que evidente. Era preciso mudar a equipe econômica e
o rumo da economia, e sabe por que ela não mudou? Porque isso fortaleceria a
candidatura do Lula, o ‘Volta, Lula’.
E a nova equipe econômica?
É
experiente, qualificada. Vai depender de a Dilma respeitar a independência da
equipe. Se não respeitar, vai ser desastroso. Agora, é preciso ter humildade e
a forma de reconhecer os erros a esta altura é deixar a equipe trabalhar. Mas
ela não reconheceu na campanha, não reconheceu no discurso de posse. Como que
ela pode fazer agora?
Se Dilma não deixar a equipe econômica
trabalhar, os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento)
podem correr para o Lula, pedindo apoio?
Você
não está entendendo. O Lula está fora, está totalmente fora.
Tudo isso criou uma cisão indelével no
PT, entre lulistas e dilmistas, como ficou claro na posse, quando o Lula foi frio
com o Mercadante?
O
Mercadante é inimigo, o Rui traiu o partido e o projeto do PT, e o partido se
acovardou ao recusar um debate sobre quem era melhor para o País, mesmo sabendo
as limitações da Dilma. Já no primeiro dia, vimos um ministério cujo critério
foi a exclusão de todos que eram próximos do Lula. O Gilberto Carvalho é o mais
óbvio.
Qual o efeito disso em 2018?
Mercadante
mente quando diz que Lula será o candidato. Ele é candidatíssimo e está operando
nessa direção desde a campanha, quando houve um complô dele com Rui e João
Santana (marqueteiro de Dilma) para barrar Lula.
Quais as chances de vitória do PT com o
Mercadante?
Ele
vai ter contra si sua arrogância, seu autoritarismo, sua capacidade de promover
trapalhadas. Mas ele já era o homem forte do governo. Logo, todas as
trapalhadas que ocorreram antes ocorrem agora e ocorrerão depois terão a
digital dele.
Afinal, quais são os desmandos da gestão
do Juca Ferreira na Cultura?
Foi
uma gestão muito ruim. Enviei para a CGU (ControladoriaGeral da União) tudo
sobre desmandos e irregularidades da gestão dele.
O que aconteceu com a Petrobrás?
Para
mim, todo o conselho e diretoria deveriam ter sido trocados. Respeito a Graça
(Foster), até gosto dela. Não questiono sua seriedade e honradez. Mas, no
momento, o mais importante é salvar a Petrobrás.
O PT foi criado com a aura de partido
ético. Imaginava que pudesse chegar a esse ponto?
Cada
vez que abro um jornal, fico mais estarrecida com os desmandos do que no dia
anterior. É esse o partido que ajudei a criar e fundar? Hoje, é um partido que
sinto que não tenho mais nada a ver com suas estruturas. É um partido cada vez
mais isolado, que luta pela manutenção no poder. E, se for analisar friamente,
é um partido no qual estou há muito tempo alijada e cerceada, impossibilitada de
disputar e exercer cargos para os quais estou habilitada.
Então, a senhora vai sair do PT.
A
decisão não está tomada ainda, mas passei um mês e meio, dois meses, chorando,
com uma tristeza profunda, uma decepção enorme, me sentindo uma idiota. Não
tomei a decisão nem de sair, nem para qual partido, mas tenho portas abertas e
convites de praticamente todos, exceto do PSDB e do DEM.
Para concorrer à Prefeitura?
Não
será uma decisão em função de uma possível disputa à Prefeitura, por isso é tão
dura. É uma decisão duríssima de quem acreditou tanto, de quem engoliu tanto.
Tem uma gota d’água?
Não,
mas na campanha da Dilma e do (Alexandre) Padilha em São Paulo, fui totalmente
alijada. Quando Padilha me ligou pedindo para eu gravar, disse: ‘Ô Padilha,
entenda. Eu não sou mais objeto utilitário, acabou essa minha função no PT’.
Por que Dilma e Padilha foram tão mal em
São Paulo?
Não
foi um voto próAécio (Neves), foi um voto antiPT, pelos desmandos que o PT
tem perpetrado nesses anos todos.
O que vai ocorrer com o PT?
Ou o
PT muda ou acaba.
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