Por que nos mobilizamos
pela França, mas nos esquecemos da Nigéria?
Jaime
Rubio Hancock – EL PAÍS
O
atentado ao Charlie Hebdo e a reação da opinião pública francesa têm dominado
as capas dos jornais e revistas do mundo todo. Mas muitos ficaram surpresos com
a menor atenção dada à ofensiva da seita islâmica Boko Haram no nordeste da
Nigéria, que poderia somar até 2.000 mortos, em ações que incluíram o envio a
um mercado de uma menina de 10 anos com explosivos atados ao corpo, provocando
sua morte e a de outras 19 pessoas.
A
imprensa anglo-saxã comenta a “hierarquia da morte”, ou seja, o fato de darmos
mais cobertura a algumas vítimas do que a outras, especialmente no noticiário
internacional. Essa hierarquia é influenciada por vários fatores, que podemos
dividir em dois grupos: a proximidade e a qualidade da informação.
1. A
proximidade. Interessa-nos mais o que ocorre em nosso país e em países
próximos, e também se há alguma vítima local. A análise de Jacoba Urist na The
Atlantic recorda como o The New York Times publicou mais de 2.500 obituários
para os assassinados nos atentados de 11 de setembro de 2001, coisa que o EL
PAÍS também fez com os mortos no ataque islâmico de 11 de março de 2004 em
Madri.
“Toda
informação é local”, diz o jornalista Miguel Ángel Bastenier, do EL PAÍS, “e se
repercutimos as notícias internacionais é pela proximidade e pela vinculação
que temos com esses países, e também pela qualidade da informação que
conseguimos obter”. Ele acrescenta que “é preciso informar sobre a Nigéria, e
se informa”, mas esses dois fatores fazem com que se fale mais sobre o atentado
na França do que sobre muitos outros conflitos.
Tal
proximidade provoca uma maior empatia entre jornalistas e leitores, mas também
pode favorecer o confronto, observa a jornalista Leila Nachawati, cofundadora
do site Syria Untold. “Há um posicionamento do ‘nós contra eles’”, algo que na
opinião dela transparece, por exemplo, nas declarações oficiais sobre o
atentado ao Charlie Hebdo, em que muitos líderes ocidentais apontaram “um
ataque contra nós, contra nossos valores”, esquecendo-se de que esses grupos
“nascem e se promovem dentro da Europa”.
No
caso da Nigéria, a Boko Haram chamou a atenção da imprensa ocidental em
relativamente poucas ocasiões, apesar de esse grupo estar ativo desde 2002 e já
ter causado milhares de mortes. Uma dessas situações se deu após o sequestro de
mais de 200 meninas em abril do ano passado. Naquela ocasião, a atenção foi
motivada por uma campanha nas redes sociais, intitulada #BringBackOurGirls
(“tragam nossas garotas de volta”), que contou com a participação, por exemplo,
da primeira-dama norte-americana, Michelle Obama. Ou seja, tanto naquela época
como agora (quando se compara a atenção midiática dada ao atentado de Paris com
a cobertura do conflito nigeriano), o volume de informação cresce porque se
busca relação com o que está ocorrendo no Ocidente.
2. A
qualidade da informação. Muitos veículos de comunicação têm correspondentes ou
enviados especiais em Paris, incluindo as agências de notícias, ao passo que é
muito mais perigoso enviar informações do Estado nigeriano de Borno,
majoritariamente controlado pela Boko Haram. Na verdade, os jornalistas sofrem
ameaças tanto da Boko Haram quanto do próprio Governo.
Bastenier
observa que um veículo de vocação global precisa buscar a melhor informação
possível, e que sua obrigação é divulgá-la sempre que puder. Entretanto, a
escassez de recursos faz com que se conte apenas, na melhor das hipóteses, com
o material das agências, ao passo que há mais e melhores dados a respeito do
que ocorre na França.
A
repercussão do atentado ao Charlie Hebdo também se deve ao fato de a França ter
um Governo estável, onde, portanto, é possível organizar uma manifestação
gigantesca e convidar todos os líderes ocidentais: a foto da linha de frente da
manifestação também é notícia.
O
problema de não contar com recursos para informar diretamente sobre um
conflito, publicando-se em vez disso basicamente notícias de agências e
reportagens de outros veículos, pode levar a uma “desumanização do conflito”, o
que torna ainda mais difícil a empatia com as vítimas, segundo Nachawati.
Além
disso, é preciso levar em conta que se presta menos atenção a conflitos em
andamento, pois eles são (tragicamente) previsíveis e, como explica Nachawati,
há “um cansaço com relação a situações como as da Síria, Iraque ou Nigéria”.
Vemos esses países como se estivessem em um conflito permanente, “visão que se
perpetua e sobre a qual não há intenção de se aprofundar”. Esses conflitos são
tratados a partir desse filtro, ao qual se soma o fator geoestratégico: não
interessa o que acontece com os cidadãos sírios ou nigerianos, e sim “o que
opinam e o que fazem os Estados Unidos e a Rússia”.
Apesar
de todas essas dificuldades, Nachawati considera que é preciso informar mais
sobre conflitos como o da Nigéria, e para isso ela aposta em “se aproximar da
opinião pública”, informando sobre associações e campanhas civis. Com esse
objetivo, é preciso desenvolver “redes de confiança, o que agora ficou mais
fácil do que há alguns anos”. Mas continua sendo uma tarefa de longo prazo.
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