O Patrimonialismo
Selvagem*
Rodrigo Constantino
Empresários
de todo o Brasil, uni-vos! Não tendes nada a perder, senão os grilhões do
Estado patrimonialista selvagem!” (J. O. de Meira Penna)
O embaixador José Osvaldo de Meira Penna foi um
dos pensadores que melhor dissecaram o patrimonialismo vigente na política
brasileira, buscando suas origens na herança cultural do povo. O resultado foi
sua excelente obra O Dinossauro, publicado em 1988, mas que infelizmente não
ficou nada ultrapassada mesmo duas décadas depois. Sua tese é de que a
ideologia nacional-socialista, “origem do social-estatismo asfixiante que
assoberba o mundo moderno”, é reflexo de uma reação passional ao Racionalismo
da Idade da Razão. O Romantismo, tendo como um dos ícones a figura de Rousseau,
explicaria boa parte da mentalidade nacional que acabou levando a este modelo
estatal ultrapassado.
Meira Penna diz: “A forma política mais comum
do romantismo político é o chamado Culto da Personalidade do herói salvador e
messiânico”. Basta olhar para a América Latina e verificar como isso sempre foi
uma infeliz realidade aqui. A opção preferencial pelos pobres, boêmios,
fracassados, falidos, a exaltação do criminoso, do assaltante, é herança do
mito romântico que Rousseau inaugurou. O desprezo pela racionalidade, o
“sentir” colocado acima do “pensar”, é um traço claro desse legado.
A postura de eterno adolescente buscando
confrontar qualquer tipo de estrutura estabelecida ou autoridade, o sonho
utópico desprovido de lógica, o sentimentalismo, são características que
fascinaram uma sociedade que procurava uma forma de fuga emocional. O conceito
da “Vontade Geral” coletivista transformando indivíduos em frações
sacrificáveis, que levou Benjamin Constant a acusar Rousseau da criação do
“mais terrível instrumento para toda espécie de despotismo”, é ainda parte da
herança desse romantismo presente na mentalidade nacional. Por fim, a ideia do
“bom selvagem”, colocando na “sociedade” a culpa por todos os males e eximindo
de responsabilidade o indivíduo, é marca ainda presente na cultura brasileira,
com nefastas consequências.
A vida política pode ser comparada a uma Grande
Família, uma “organização que se mantém necessariamente pela força dos laços
afetivos”. A busca por privilégios é o passo natural, contrário ao princípio de
isonomia presente no império das leis do mundo anglo-saxão. Conforme explica o
autor, “surge uma vasta tessitura clientelista e familiar que mantém sua coesão
pela discriminação privilegiada de seus membros”. A lógica fria do método
cartesiano não faz parte desse jogo. O cargo público é confundido com a
propriedade privada, sendo isso uma das maiores fontes de corrupção.
“Patrimonialismo significa confusão entre o que é público e o que é privado”. A
vinda da corte lusitana com seu enorme séquito de “amigos do rei” dá origem a
esse tipo de modelo, influenciado ainda pelo romantismo francês. Essa falha na
formação cultural teve consequências fatais para o desenvolvimento.
Em contrapartida, a Idade da Razão lança, no
campo econômico, as bases do capitalismo industrial moderno, que tanta riqueza
gerou. O desenvolvimento seria fruto de uma atitude “racional, liberal,
competitiva e pragmática perante as exigências da vida material”. Quem perde o
bonde, por não ter chegado ainda na Idade da Razão, acaba vítima de uma
tendência demasiadamente humana, que é pôr a culpa do fracasso em cima dos
outros. A busca por causas exógenas, projetando a culpa sobre bodes
expiatórios, é alimentada pelo vício da inveja, “a mais antissocial das
paixões”, como dizia Mill. O ressentimento pelo fracasso incomoda, e é muito
mais fácil esbravejar contra o rico, especialmente se for estrangeiro, do que
fazer o dever de casa. A defasagem do nosso progresso poderia ser explicada, em
parte, pela “míngua em nosso caráter nacional das virtudes racionais da
operosidade, organização, poupança, seriedade, obediência à lei, disciplina
intelectual e moral”, em suma, de virtudes ausentes na terra do “homem cordial”.
Meira Penna aborda diferentes estudos do
patrimonialismo, passando pelos trabalhos de Raimundo Faoro, Ricardo Vélez
Rodríguez, Max Weber e outros. Ele não gosta da expressão “capitalismo de
Estado”, usada por Faoro em Os Donos do Poder, já que patrimonialismo pode
expressar melhor o fenômeno, sem gerar tanta confusão. Ele resume: “O termo
mais adequado para descrição da organização socioeconômica do Brasil desde a
época colonial é o de ‘patrimonialismo mercantilista’”. A sua essência é o
aproveitamento privado da coisa pública, como o coronelismo, clientelismo,
empreguismo etc. O Estado é paternalista, intervencionista e autoritário. Uma
“patota” assume o poder e forma uma entidade do tipo cosa nostra, como na máfia siciliana. Este esquema não é visto como
imoral por seus participantes. Não há espaço algum para o livre mercado.
Ricardo Vélez Rodríguez, em sua obra sobre o
patrimonialismo, enfatiza que o Estado é visto e administrado como um bem de
família pela classe política. Para ele, “esse é o principal problema que
atravanca o desenvolvimento no nosso continente”. A dominação patrimonial
“manipula as massas desprotegidas mediante o paternalismo de Estado, ensejando
assim o ideal do ‘pai do povo’, tão comum em contextos patrimoniais”. Para
Vélez, “a prática do nepotismo e do clientelismo constitui o principal caminho
por meio do qual se efetiva a privatização do Estado”. Trata-se de um modelo
mercantilista, onde “o orçamento do Estado é entendido como butim a ser
distribuído clientelisticamente entre amigos e apaniguados”.
O socialismo acaba servindo como munição
ideológica para os que almejam esse poder. Pode no máximo trocar de mãos, mas
não reduz o poder estatal em si. Seu vício fatal é a “concentração do poder
político e do poder econômico nas mesmas mãos”. A simbiose entre socialistas e
mercantilistas não ocorre por acaso. Na teoria do mercantilismo estava expresso
o “reconhecimento de que a riqueza econômica constitui um instrumento da
política de segurança e expansão do poder nacional”.
Os mercantilistas queriam o poder nacional,
assim como os socialistas. Os burgueses são desprezados por ambos. A xenofobia
acaba sendo marca registrada nos dois casos, despertando o sentimento
“nacionalista”. Este casamento leva ao nacional-socialismo, onde o governo
concentra amplos poderes econômicos e os estrangeiros são vistos como inimigos
potenciais. Segue um ineficiente protecionismo, com tarifas proibitivas para
produtos importados, subsídios favorecendo os aliados do governo e todo tipo de
privilégio à custa dos consumidores. Este modelo representa o oposto do livre
comércio defendido pelos liberais.
A estatização da economia e uma onipresente
burocracia são resultados inevitáveis dessa mentalidade. A concentração de
renda no país é resultado dessa gigantesca burocracia estatal, e basta observar
a renda per capita de Brasília para comprovar. Na cabeça desse dinossauro
reina, soberana, “a verdadeira classe dita ‘exploradora’, ‘dominante’ e
‘opressora’: a classe burocrática patrimonialista, ideologicamente legitimada
pelos intelectuais da esquerda festiva nacional-socialista”. Não se muda isso
por decreto, já que é fruto de uma mentalidade que vem de longa data, enraizada
na cultura nacional, representada pelo herói sem caráter Macunaíma e pelo
“jeitinho” brasileiro. É preciso mudar a mentalidade do povo.
Está na hora de mostrar que o verdadeiro
inimigo não é o capitalismo de livre mercado, mas o Estado patrimonialista, os
“intelectuais” que o defendem, a burocracia que toma a máquina estatal para si
como se fosse propriedade sua. O país precisa abraçar o liberalismo para
derrotar o dinossauro!
*Texto presente em “Uma
luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
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