Marco Milani
A epistemologia, enquanto campo de estudo que
investiga a natureza, a produção e os limites do conhecimento, possui um papel essencial
na caracterização de uma pesquisa científica.
Desde Aristóteles até os pensadores contemporâneos
como Karl Popper e Thomas Kuhn, o desenvolvimento da ciência tem sido norteado
por discussões sobre a veracidade, confiabilidade e validade dos processos
investigativos. A distinção entre o que poderia ser considerado uma pesquisa
verdadeira e uma falsa é, dessa maneira, uma questão epistemológica central,
que vem desafiando gerações de estudiosos sobre a integridade do conhecimento
científico e que exige a aplicação de métodos rigorosos e critérios éticos e
lógicos.
O que define uma pesquisa verdadeira não é apenas a
sua conformidade com os métodos aceitos, mas também sua capacidade de gerar
conhecimento confiável e verificável. Segundo Popper (2007), uma das
características principais de uma pesquisa é sua capacidade de ser falsificável,
ou seja, de apresentar proposições que possam ser testadas e potencialmente
refutadas. Para Popper, a ciência não progride pela aceitação de hipóteses,
mas pela eliminação de falsidades através de testes rigorosos. Nesse sentido, a
pesquisa verdadeira é marcada pela abertura ao questionamento e pela
possibilidade de ser replicada e examinada criticamente por outros
pesquisadores.
Em contrapartida, uma pesquisa falsa, ou
pseudociência, careceria de rigor metodológico e, frequentemente, de
transparência. Tais pesquisas são marcadas pela ausência de dados confiáveis e
pela não observância das regras do método científico. Feyerabend (2011), embora
crítico de um rígido formalismo científico, ressalta que a pesquisa que não
segue um padrão mínimo de controle e não se submete ao teste da falsificabilidade
está fadada a gerar conhecimento duvidoso. Segundo o autor, a ciência precisa
de certa flexibilidade, mas, ao se desviar completamente dos princípios
investigativos, a pesquisa corre o risco de se tornar falaciosa e enganar os
leitores e, indiretamente, a sociedade como um todo.
A pesquisa verdadeira é construída sobre
fundamentos epistemológicos sólidos, o que implica uma postura objetiva e
imparcial por parte do pesquisador. A objetividade é um valor fundamental, logo
a ciência deve se fundamentar em dados e evidências, e não em conjecturas ou
interesses pessoais. Nesse sentido, a pesquisa verdadeira requer que o
pesquisador adote uma posição neutra e se baseie em evidências observacionais
ou experimentais sólidas.
Ao contrário do que pseudopesquisadores poderiam adotar,
a neutralidade não é uma simples declaração de isenção, mas uma postura intelectualmente
honesta que analisa as afirmações contrárias com o mesmo rigor daquelas que estejam
em desacordo com suas pressuposições.
As metodologias utilizadas em uma pesquisa
verdadeira seguem etapas rigorosas, como a formulação de hipóteses claras,
coleta de dados controlada e análise sistemática. A pesquisa falsa
frequentemente negligencia esses princípios. Um exemplo clássico é o uso de
amostras tendenciosas ou pequenas, que comprometem a validade dos resultados e
tornam as conclusões problemáticas. Lakatos (1970) argumenta que uma pesquisa
científica robusta deve estar embasada em um programa de pesquisa, ou seja, um
conjunto de teorias e métodos que podem ser continuamente desenvolvidos e
testados. Quando a pesquisa se desvia dessa estrutura, ela se aproxima da
pseudociência.
Outro ponto fundamental de distinção é a
transparência na divulgação dos dados e métodos. Uma pesquisa verdadeira é
aberta e transparente, permitindo que outros pesquisadores possam verificar e
replicar seus achados. Kuhn (1998) descreve o progresso da ciência como uma
série de revoluções paradigmáticas, nas quais o conhecimento avança por meio de
mudanças radicais e inovações teóricas. No entanto, ele ressalta que a base
desse progresso é o escrutínio público e a revisão pelos pares, algo que está
ausente na pesquisa falsa. A revisão por pares é um mecanismo essencial para a
validação do conhecimento científico, já que possibilita que outros
especialistas avaliem a validade da pesquisa e seus achados.
A falta de clareza metodológica também é um dos
entraves para a pesquisa, pois não garante que os resultados não sejam apenas fruto de
um acaso ou de manipulações intencionais. Popper (2007) defendeu que a
reprodutibilidade é um dos pilares do conhecimento científico, uma vez que a
ciência se baseia em experimentos controlados que podem ser realizados por
diferentes pesquisadores em diferentes contextos.
A ética científica também é um critério importante
para diferenciar pesquisa verdadeira de falsa. Muitas pesquisas falsas estão
associadas a conflitos de interesse não divulgados, o que compromete a sua
validade.
O avanço da ciência depende de uma constante
vigilância sobre os critérios epistemológicos que garantem a veracidade e a
confiabilidade das investigações científicas, sendo fundamental que a
comunidade acadêmica continue a defender esses valores em suas práticas.
Referências
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
FEYERABEND, P. Contra o Método. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo:
Perspectiva, 1998.
LAKATOS, I. Falsification and the Methodology of Scientific Research
Programmes. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Orgs.). Criticism and the
Growth of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1970.
MERTON, R. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical
Investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973.
POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix,
2007.
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