A solução
para a escassez de água
Instituto Ludwig von Mises Brasil
A partitura é sempre a mesma. Basta termos um ano em que o nível de chuvas
está abaixo do esperado, e o governo já começa a emitir alertas lúgubres sobre
como essa seca irá afetar de maneira pungente toda uma determinada região.
Curiosamente, se você observar o
histórico dos discursos do governo, verá que todo e qualquer local do país está
sempre vivenciando ou uma enchente catastrófica ou uma seca catastrófica. Em nenhum momento o governo diz que o país
está vivenciando "a quantidade certa de chuvas".
Atualmente, para o governo federal, o
país é visto como uma terra árida que oscila entre uma seca persistente e uma
seca mais amena.
No estado de São Paulo, a empresa
estatal responsável pela distribuição de água está aplicando, ainda que de
forma velada, um racionamento. Já se diz
abertamente que, "se as atuais condições persistirem", será
necessário um racionamento mais intenso.
Se as atuais condições
persistirem? Trata-se de uma suposição
interessante. Por essa mesma lógica,
durante a próxima temporada de chuvas poderíamos dizer, que "se essas
condições persistirem, será necessária a construção de uma arca".
Condições climáticas nunca
persistem. Elas mudam. E burocratas odeiam esse fato.
Seria plausível supor que burocratas
adoram secas. Um período de seca lhes
confere poder, e não apenas sobre o uso agregado da água. Burocratas adoram saber que estão no controle
até dos mínimos detalhas das vidas das pessoas.
Sob um racionamento, eles ordenam às pessoas que tomem banhos mais
curtos. Eles ordenam às pessoas que deem
menos descargas. Eles tentam impor um
profundo senso de culpa no cidadão que lava o carro ou que simplesmente rega suas
plantas.
Secas podem transformar até mesmo o
mais inocente e ingênuo funcionário público em um equivalente moral a um agente
de Gestapo, que emite decretos, impõe multas e, no extremo, corta o próprio
fornecimento de água — e tudo em nome do interesse público.
Secas tornam todas as pessoas
dependentes do estado. Todos são obrigados
a obedecer às suas ordens e a seguir suas leis, tipo, "Prédios de números
pares podem utilizar um volume X de água entre 7 e 11h, e prédios de números
impares podem utilizar esse mesmo volume entre 15 e 19h". Consequentemente, secas podem jogar um vizinho
contra o outro, e transformar as pessoas em uma "classe de
criminosos", que têm de se rebaixar a tomar banho escondidos para que
ninguém perceba que ele está gastando uma quota de água superior àquela
determinada pelo estado.
Esse comportamento estatal tem um
nome: o ódio ao "consumismo".
Ao passo que as pessoas querem ter opções sobre como gastar seu
dinheiro, burocratas querem que elas sofram constantemente e estejam
continuamente cientes de que estão utilizando um produto sobre o qual o estado
está no controle; as pessoas não devem confiar no sistema de preços para
balizar seu padrão de consumo, mas sim obedecer a regulamentações e restrições
estatais.
Perceba que uma seca nunca termina
oficialmente. Durante o auge da seca, os
jornais ficam repletos de alertas lúgubres sobre uma iminente catástrofe. Porém, quando a seca é substituída por chuvas
torrenciais — e isso invariavelmente ocorre —, não há nenhuma reportagem na
imprensa falando algo do tipo "Graças a Deus a seca acabou. As pessoas agora podem consumir o tanto de
água que estiverem dispostas a pagar."
Nunca.
Eles nunca dizem isso. Eles
preferem que carreguemos conosco aquela sensação de que a seca nunca de fato
acabou, já que, afinal, ela pode voltar novamente.
O cerne do problema aqui nada tem a
ver com chuvas ou com a alteração de padrões meteorológicos. Com efeito, o tempo está em contínua mudança
desde a alvorada do universo. O que realmente
cria o problema da escassez de água é a propriedade estatal dos meios de
produção, bem como o atual e totalmente irracional sistema utilizando, no qual
os preços não se alteram independentemente da disponibilidade de água. Não há uma preocupação nem com lucros e nem
com prejuízos. Logo, não há um
verdadeiro cálculo econômico balizando as operações da estatal. Os preços são determinados pelo governo, de
acordo com conveniências políticas e eleitorais; e não por indicadores
extra-mercado.
Pense na diferença entre esse sistema
estatal e um sistema de mercado.
Diariamente, nós consumidores somos induzidos a consumir todos os tipos
de bens de consumo imagináveis: desde carros, celulares, computadores e
apetrechos eletrônicos até alface e mandioca.
Há uma constante calibragem entre oferta e demanda. Se um produtor tentar precificar
excessivamente um determinado produto para tentar aumentar seus lucros, outro
empreendedor entrará em cena e, por causa de seus preços menores, irá se
apropriar dos consumidores que o primeiro perdeu. A inovação está em todos os cantos, de modo
que um aumento na oferta é continuamente necessário para atender a
demanda. Caso contrário, o empreendedor
vai à falência. Nenhum lucro é
permanente. O lucro está continuamente
ameaçado. No mundo atual, a ameaça pode
surgir da noite para o dia.
Agora, pense na diferença entre esse
mercado, no qual você é estimulado a consumir cada vez mais, e o mercado
estatal de provisão de água. Neste
mercado, o tema é sempre o mesmo: você está usando água em excesso.
Não é interessante? Dado que todos os recursos existentes no
planeta são escassos — o que significa que o minério de ferro necessário para
fabricar o aço dos automóveis também pode acabar, assim como todos os alimentos
existentes —, por que há esse apelo por racionamento apenas no mercado de
fornecimento de água? Simples: porque
esse mercado não é de funcionamento livre.
E isso nada tem a ver com o produto em questão. Se você duvida, vá ao supermercado ou à
padaria mais perto de você e procure por uma garrafa de água. Haverá várias marcas à sua disposição, cada
uma delas implorando para você consumi-la.
Já no mercado estatal de água, seus
"produtores" exigem que você conserve e racione.
A propriedade e o gerenciamento estatais
dos meios de produção são a principal razão desse comportamento. Privatize — privatize completamente — a
oferta de água e você verá uma mudança imediata nesse padrão.
E o motivo é muito simples. Empresas privadas querem lucro. Se elas perceberem que seus reservatórios
ficarão vazios em decorrência de uma seca, elas terão de fazer novos
investimentos, caso contrário elas simplesmente não terão água para fornecer e,
consequentemente, não terão receitas e nem lucros. Quanto mais alerta e voltada para o lucro
essa empresa for, maior será sua antecipação nos investimentos necessários — ou
seja, ela não deixará para investir apenas quando a seca se materializar.
No entanto, as pessoas imediatamente
reagem a essa proposta dizendo que ela é maluca e insensível. "Rios, lagos, reservatórios e represas
não podem ser propriedade privada! Os
preços seriam extorsivos e os pobres seriam os mais prejudicados!"
É mesmo? Mais prejudicados do que simplesmente não
terem água para usar? Isso é que é
humanismo e amor aos pobres...
No que mais, em caso de aumento de
preços em períodos de seca, não há por que dizer que os pobres seriam
afetados. E o motivo é simples: maior
preço gera menor demanda (não é esse o objetivo dos conservacionistas?). Se a tarifa de água subir, todas as pessoas
irão reduzir seu consumo. Com um consumo
reduzido, não há aumento na conta a ser efetivamente paga.
Ou seja, os pobres não serão afetados
por um aumento nos preços porque preços altos estimulam a redução do consumo;
e, ao serem estimulados a reduzir seu consumo, o valor final de sua conta não
será aumentado.
Sim, haverá uma queda na qualidade de
vida, pois eles estarão utilizando menos água pelo mesmo preço. Mas isso não é melhor do que uma total
escassez do produto?
A total privatização da água é a
melhor maneira para se evitar o desastre de um racionamento. E, creiam, racionamentos serão rotineiros
porque não há incentivos significativos para se conservar a água em seu atual estado
socializado. Uma transição para esse
estado de coisas provavelmente será doloroso, dado que mais de um século de
socialização da água terá de ser desfeito.
Mas é certo que esse processo seria relativamente rápido em relação ao
longo e exasperante sofrimento que o socialismo no mercado de água ainda irá
gerar.
Conclusão
O governo, ao contrário do livre
mercado, sempre vê o consumidor como algo aborrecedor. Ao passo que, no livre mercado, as empresas
estão sempre ávidas por consumidores para os quais vender seus produtos, no
setor público, o consumidor é apenas um irritante demandante, um usuário
esbanjador de recursos escassos. No
livre mercado, o consumidor é o rei, e os ofertantes estão sempre se esforçando
para ganhar mais consumidores, com os quais poderão lucrar caso forneçam bons serviços. No setor público, cada consumidor é visto
como alguém que está utilizando um bem em detrimento de outra pessoa. No livre mercado, todos os envolvidos em uma
transação voluntária ganham, e as empresas estão sempre ávidas para oferecer
seus produtos ao consumidor. No setor
público, o consumidor é apenas uma chateação para os burocratas.
Seca é apenas outro nome para
escassez. O governo é capaz de criar uma
escassez de qualquer produto por meio de seu gerenciamento burocrático. Preços não respondem à lei da oferta e
demanda, e uma total falta de investimento e inovação caracteriza o
gerenciamento da água pelo governo.
Aliás, esse mesmo padrão de comportamento pode ser observado nos
Correios, na educação estatal, na saúde estatal, na segurança estatal, na
justiça estatal e em todas as outras áreas em que o governo detém um
monopólio. Não deveria ser surpresa
nenhuma haver escassez de água.
Quando a água passar a ser fornecida
por empresas operando em um ambiente concorrencial, batalhando para satisfazer
os consumidores e com isso terem lucros, racionamentos serão coisas
fictícias. No atual arranjo, as empresas
estatais ganham mais poder quando fazem os consumidores sofrer. No livre mercado, tal arranjo é inconcebível.
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