Salários devem crescer com a economia
"A qualidade dos serviços
públicos é número 1; é o que fará o país entregar igualdade de
oportunidades"
Reportagem de Claudia Safatle e Alex Ribeiro - Valor
Econômico
BRASÍLIA - Chamado ao
debate pela presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, o ex-presidente
do Banco Central, Arminio Fraga, escolhido para ser o ministro da Fazenda de um
eventual governo Aécio Neves, afirma que tal como proposto pela campanha do PT,
tal comparação é "rasteira" e uma tentativa de "fugir do
debate".
O cerne da questão é
recuperar a capacidade do país de crescer. "Para os salários continuarem a
crescer, para os programas sociais continuarem a crescer, é preciso que a
economia cresça". Para ele, apesar de todos os progressos o Brasil
continua a ser um país "tremendamente desigual".
Em entrevista ao Valor
PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, ele propõe um "novo
regime" de política econômica que vai além do retorno ao tripé
representado pela meta de inflação, superávits primários das contas públicas e
taxa de câmbio flutuante. O modelo se traduz em três eixos: o reequilíbrio
macroeconômico, o aumento dos investimentos e o crescimento da produtividade.
De início será preciso
dar maior transparência à contabilidade fiscal. Isso vai exigir a inclusão, no
Orçamento da União, de todos os subsídios concedidos pelo atual governo às
empresas nos empréstimos dos bancos públicos federais.
"Não
sou radicalmente contra as políticas de subsídios, mas sou a favor de critérios
bem definidos de concessão e avaliação de custos e benefícios para que tenham
ganhos sociais e não privados", disse.
O segundo é aumentar os
investimentos dos atuais 16,5% do PIB para 24% do PIB. O reforço da política
macroeconômica ajudaria a queda dos juros e tiraria a pressão sobre a taxa de
câmbio. Seria preciso, também, ter estabilidade nas regras do jogo e
mobilização de capitais privados para alavancar a infraestrutura.
Para aumentar a
produtividade da economia, a terceira vertente é desmontar, gradualmente, a
chamada "nova matriz econômica" do governo Dilma, sustentada por
subsídios, desonerações de impostos e proteção à concorrência externa.
A seguir, os principais
trechos da entrevista ao Valor:
Valor:
O programa do PSDB propõe a volta do tripé macroeconômico levado a sério ou se
trata de um novo regime?
Arminio Fraga:
Considerando o que está acontecendo hoje, são as duas coisas. É a volta do
tripé com o reforço da transparência. Hoje isso virou um aspecto importante,
porque o governo está levando a criatividade a um extremo que começa a ser
altamente relevante, não só por uma questão de princípio, mas pelo tamanho.
Temos o tema da dívida líquida versus bruta e o início da discussão sobre a
trajetória de crescimento do gasto público.
Valor:
O governo destacou o ministro Aloizio Mercadante, que se licenciou da Casa
Civil, para cuidar do debate econômico da campanha. O que o senhor acha disso?
Arminio: Para mim,
tanto faz. Estava fazendo falta aparecer gente para debater. Acho saudável.
Espero que seja um debate de alto nível e que respeite os fatos e os contextos.
Valor:
A presidente disse que o momento é de fazer comparações do governo dela com o
de FHC, há doze anos. Citou a inflação de 12,5% em 2002, quando da sua gestão
no BC. É uma boa comparação?
Arminio: A comparação
deve ser feita dentro do contexto do que cada governo encontrou e o que deixou.
Não é mais do que obrigação de um governo deixar as coisas melhores do que
encontrou. Eu diria que esse governo vai deixar as coisas piores do que encontrou.
A comparação de nível, com frequência feita em termos nominais, é rasteira. Mas
se você quiser olhar um indicador, só um, seria por exemplo a taxa de
crescimento. Eu acho errado, não gosto de fazer isso, mas a taxa de crescimento
do segundo mandato de FHC foi maior do que a taxa de crescimento do governo
Dilma, e em circunstâncias significativamente piores.
Valor:
E em 1999, quando o Sr. assumiu o BC?
Arminio: As
expectativas de inflação em 1999 oscilavam muito, entre 20% e 50%, depois da
flutuação do câmbio. As expectativas eram de uma queda de 4% do PIB. O ano
acabou com a inflação de 9% - ou seja, não se perdeu a âncora - e o crescimento
foi positivo, em torno de 0,5%. Essa é uma discussão desenhada para fugir da
situação real que a economia brasileira se encontra hoje, que é o 7 x 1
(inflação próxima de 7% e crescimento abaixo de 1%). Uma situação maquiada e
com a taxa de investimento muito baixa, de 16,5% do PIB, um novo recorde de
baixa. Acho que eles estão tentando fugir do debate.
Valor:
O governo tem dito que, se Aécio Neves ganhar, vocês vão combater a inflação
com arrocho e desemprego. O que o Sr. tem a dizer sobre isso?
Arminio: Primeiro,
seria interessante entender o que o governo está tentando fazer, já que eles
estão se propondo a ficar mais tempo. A condução da política macroeconômica,
especialmente nos últimos três ou quatro anos, foi muito distorcida,
esquizofrênica. Enquanto o Banco Central tentava segurar a inflação, o governo
expandia a política fiscal e a política creditícia, principalmente de seus
próprios bancos, o que acabou gerando essa situação esdrúxula de pouco
crescimento e muita inflação. O que está faltando é mais investimento. É
possível reequilibrar o tripé e, com isso e várias outras políticas, recuperar
a confiança na economia, que está paralisada, e fazer o ajuste de forma
virtuosa. Acredito que isso é possível. Foi possível em 1999, como citei.
Valor:
A continuação da política em curso nos levaria ao rebaixamento pelas agências
de rating?
Arminio: Acho que sim.
Não estou dizendo que essa é a minha expectativa. Espero que não seja esse o
governo que vai lidar com essa questão. Se for, espero que eles acertem, mas,
infelizmente, não há nenhum sinal de que isso vá acontecer. Há uma recusa total
de se encarar a realidade e se partir para propostas consistentes. Estão aí há
vários anos e a economia só vem piorando. Seria razoável fazer uma autocrítica,
ainda que discreta, pois ninguém pode exigir mais do que isso em um ano de
eleição, mas pelo menos sinalizar algo pelo bem do país.
Valor:
Quais seriam os elementos básicos de uma política econômica progressista?
Arminio: Esse é um tema
fascinante e da maior importância. Primeiro, a despeito de vários programas
sociais de boa qualidade, tem muita coisas básica que as pessoas deveriam ter e
não têm. A qualidade dos serviços públicos no Brasil em geral deixa muito a
desejar. Essa é a base, é algo que faz parte de um país que consegue entregar
igualdade de oportunidades. Isso é numero um. Temos que continuar com os
programas de combate à pobreza extrema, mas é preciso ir muito além. E nisso o
governo tem tido muita dificuldade. Depois, há todo esse modelo chamado de
"nova matriz macroeconômica" que nada mais é do que uma tentativa de
resolver com paliativos situações que são de natureza mais estrutural,
fundamental. O governo está subsidiando empresas com volumes imensos de
recursos, sem qualquer justificativa social, as desonerações foram feitas sem
nenhum critério que se possa identificar e até proteção contra a concorrência externa.
Valor:
O que é estrutural?
Arminio: Um pacote
desses só existe porque o governo não consegue entregar um custo de capital
mais baixo, um sistema tributário mais razoável, que não onere as exportações e
os investimentos. O governo não consegue desenvolver a infraestrutura do país,
que hoje é um tremendo problema para todos os setores, do agronegócio à
indústria. Então ele tenta dar esses subsídios quando o que os empresários
querem, na verdade, é um país mais arrumado, com regras mais claras, menos ideológicas
e menos corruptas. Dá para imaginar, também, coisas menores, mas de muita
importância para reduzir o custo Brasil.
Valor:
Por exemplo?
Arminio: A tributação
no Brasil é, em geral, bastante regressiva. Isso merece uma revisão completa.
Pode-se imaginar as revisões das desonerações, que hoje são tremendamente
regressivas. Tem muitas coisas a fazer. O Brasil, apesar de todos os progressos
que fez, com o fim da hiperinflação, com o Bolsa Família, continua a ser um
país tremendamente desigual. Acho que a base está na qualidade do gasto
público, que é onde há espaço muito grande para avançar sem prejuízo dos
outros.
Valor:
O programa fala em limitar o aumento do gasto público....
Arminio: A proposta é
casada com a ideia de que o Brasil tem uma carga tributária alta para um país
de renda média como o nosso e que, portanto, isso precisa ser discutido. Mas
não é possível discutir o tamanho da carga tributária sem discutir o tamanho do
gasto.
Valor:
O programa do PSDB garante a manutenção de todos os programas do governo,
Pronatec, Bolsa Família, Mais Médicos, e Aécio Neves colocou a revisão do fator
previdenciário. Cabe tudo na conta?
Arminio: Não tem
porque, em um ambiente populista como esse, listar qualquer sugestão. O governo
tende a colocar esse problema como se houvesse um jogo de soma zero. Porque?
Porque não estão com o crescimento na cabeça. Já esqueceram que isso é
possível. Em uma economia que cresce, você pode resolver isso da forma que
estou colocando. Basta controlar a taxa de crescimento do gasto, para que seja
inferior ao crescimento do PIB. Outro ponto a respeito desse governo é que não
há avaliação de coisa alguma.
Valor:
Como assim?
Arminio: Não há
transparência e, portanto, não há avaliação. Teve um momento em que o
Ministério do Planejamento colocou brevemente no seu site, na gestão do Paulo
Bernardo, uma avaliação, mas rapidamente tiraram. Esse país não avalia nada.
Essas coisas que estão aí certamente merecem o rótulo de regressivas ou não
progressista. Por isso tenho repetido que é fundamental dar transparência,
consolidar tudo no orçamento. Você força esse debate que hoje não existe. As
pessoas tem a sensação de que tem aqui um dinheirinho barato do BNDES que não
precisa ir para o orçamento. Não é verdade. Tudo sai de algum lugar.
Valor:
O baixo crescimento não é cíclico, ligado à fraqueza da economia mundial, ao
aumento dos juros
para baixar a inflação e à queda na confiança provocada pela acirrada disputa
eleitoral?
Arminio: Tem um lado
que não se pode esquecer. Para os salários continuarem a crescer, para os
programas sociais continuarem a crescer, é preciso que a economia cresça.
Valor:
Mas e a questão cíclica?
Arminio: Claro que
chama a atenção o Brasil crescendo zero e a economia mundial crescendo 3,3%.
Mas de fato cabe essa questão: será que é cíclico? Se você olhar a média do
crescimento do Brasil com a média da América Latina nos quatro anos do governo
Dilma, usando a projeção do Focus para esse ano, o Brasil ficou aproximadamente
dois pontos percentuais abaixo. É bom lembrar que a América Latina inclui
Argentina, Venezuela, que não estão indo bem. Se você comparar só com os países
que estão mais arrumados, Peru, Colômbia, que crescem 4% ou mais, não faz sentido.
Eu estava olhando as relações de troca do período Dilma versus o governo FHC.
Caiu um pouco ao longo desse período, mas ainda está em um nível alto comparado
com a média histórica. Não acho que seja um problema cíclico. Os problemas que
existem são auto-impostos e podem ser corrigidos.
Valor:
O BC diz que o país está em um período de transição, que há uma mudança
estrutural com menos consumo e mais investimentos e exportações, aumento da
produtividade puxado por mais escolaridade, pelas concessões e desvalorização
cambial. Esse ciclo virtuoso vai aparecer em breve?
Arminio: O Banco
Central vem falando dessa transformação há bastante tempo e ela não tem
aparecido porque tem problemas. Alguns desses temas de fato tem impacto
positivo, mas é preciso olhar o agregado quando, ao mesmo tempo, há aspectos
que estão indo na outra direção. O número de investimento do último trimestre,
16,5% do PIB, é muito baixo. Essa "nova matriz econômica", a meu ver,
não gera crescimento. Infelizmente foi testada no passado, não deu certo, e cá
estamos outra vez. O próprio ministro Mantega, quando assumiu, se não me falha
a memória, em uma reunião ministerial - esse documento sumiu do site- falava de
um crescimento médio em torno de 5%, indo para 6,5%, nesse governo. O sonho de
crescer, todos nós temos. Tem que mudar o modelo.
Valor:
Onde a abertura comercial ajuda nesse novo regime?
Arminio: Estamos
discutindo a importância de ter o Brasil conectado com as melhores cadeias
produtivas do mundo. Queremos um país tão produtivo, tão próspero e tão justo
quanto os países mais avançados do mundo. Essa conexão é muito importante.
Nossa proposta não é fazê-la da noite para o dia, mas ir aos poucos abrindo, na
medida em que se resolvem as questões estruturais. Um ponto que precisa ser mencionado,
além disso, é a alocação do capital. Está se politizando o investimento e, com
certeza, o país perde.
Valor:
O senhor defende uma abertura unilateral do Brasil?
Arminio: Sempre
pensamos de maneira multilateral, mas a partir de determinado momento perdemos
o bonde. O mundo inteiro começou a fazer acordos regionais, bilaterais, e nós
ficamos para trás. Penso que isso foi uma grande desculpa para manter o
protecionismo, que certamente não resolveu o problema da nossa indústria. Olha
o estado dela hoje.
Valor: O plano do Aécio
é levar a inflação para a meta de 4,5% em dois ou três anos. O BC tem um
cronograma semelhante. Qual é a diferença em relação ao que já está sendo
feito?
Arminio: O BC está
falando isso há três anos. Há uma divergência entre o discurso e o realizado.
Não nego que o resto do governo dificulta esse trabalho, porque tem uma
expansão fiscal ao longo do caminho e expansão de crédito. É muito difícil o BC
remar contra essa corrente.
Valor:
O BC não tem que se preocupar com o emprego e a renda?
Arminio: Com certeza o
BC tem que fazer política anticíclica, mas é consenso de que não se consegue
eliminar o ciclo totalmente. Achar que inflação mais alta vai trazer mais bem
estar para as pessoas não faz o menor sentido. E, se alguém sabe disso, somos
nós no Brasil, que vivemos um período de inflação alta. Não houve no Brasil
nada que prestasse a partir desse caminho. Inflação alta sempre foi ruim para o
crescimento e para a distribuição da renda.
Valor:
Mas o país está com pleno emprego e ganho de renda e talvez seja por isso que a
presidente Dilma liderou o primeiro turno das eleições...
Arminio: O fato de o
desemprego estar baixo é muito bom. O problema é para onde estamos indo.
Valor:
Como rever o tamanho do BNDES, que cresceu à base de endividamento do Tesouro
Nacional?
Arminio: Estamos
falando de dinheiro subsidiado, e isso é algo que tem que estar disputando com
outros itens do orçamento. A sensação de que existe aqui um espaço especial
para o gasto é muito ruim para a economia e considero um desrespeito à
democracia. Com certeza o BNDES tem um papel importante para cumprir em várias
áreas, na infraestrutura, mas isso tem que ser feito com critério, transparência
e contabilizando os subsídios. Não tenho dúvida de que isso vai gerar uma
transição suave.
Valor:
A opção do PSDB é por arrumar a casa de maneira gradual?
Arminio: Tem dois itens
macro que devem ser ajustados de forma gradual. Um é o saldo primário, outro é
a trajetória da inflação. Porque acredito que com isso será possível nós nos
beneficiarmos das melhorias nas expectativas, da confiança em geral. Esse
ajuste tem tudo para ser virtuoso, apesar do que dizem por aí. Ponto. O resto,
dar transparência, revisar o sistema tributário, repensar nossa política de
integração ao mundo, agilizar tudo que tenha a ver com investimentos e
infraestrutura, tem que feito com a máxima urgência. Não confunda as coisas.
Quando você combina uma resposta macro correta, diminuindo a incerteza, com um
lado estrutural, microeconômico, o resultado é bom. Essa agenda
micro/estrutural é preciosa e pode ser feita na máxima velocidade possível.
Valor:
Haverá uma política de reindustrialização?
Arminio: Eu diria que
sim. A indústria está passando momentos extremamente difíceis. E nós
acreditamos que o modelo que vai reduzir o custo do capital, tirar a pressão da
taxa de câmbio, fazer a reforma tributária e investir muito em infraestrutura
vai melhorar a vida da indústria e permitir que aos poucos sejam removidas
essas cortisonas que se tem por aí.
Valor:
Sempre que se entra na campanha eleitoral, volta o assunto da privatização. Que
o candidato do PSDB vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e assim opor
diante. Haveria alguma nova privatização?
Arminio: A ideia é de
reestatizar o Estado. A leitura do Aécio é que a Petrobras está aparelhada,
está capturada, com interesses partidários e privados e que isso tem que
acabar.
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