O socialismo venezuelano castiga a população e compromete a estabilidade econômica e social desse país. Os vizinhos sulamericanos omitem-se diante dos abusos e da repressão promovida pelo chavista Maduro e suas milícias contra os cidadãos desarmados que clamam por liberdade e democracia.
Diálogo em crise na
Venezuela
Editorial - O Estado de S.Paulo -
24 de maio de 2014
A solução à vista para a crise
na Venezuela passa pela pressão internacional para que seja desmontada a
estrutura chavista que se apoderou do Estado e arruinou a democracia do país.
Sem esse passo, nenhuma iniciativa terá futuro. Levar a sério a vontade do
presidente Nicolás Maduro para uma negociação com a oposição, como faz o
governo brasileiro, é dar ao chavista o tempo de que ele precisa para
neutralizar - também pela violência - a revolta dos estudantes e de outros dissidentes.
Não tardou para que, nessa atmosfera, o "diálogo" mediado pela União
das Nações Sul-Americanas (Unasul) se revelasse frustrante, e a oposição se
mostra relutante em participar, gerando um impasse que pode ter efeitos
funestos.
Para ter alguma chance de
sucesso, o diálogo na Venezuela deveria ter como base o compromisso com o
restabelecimento do Estado de Direito e da separação de Poderes. É certo que a
oposição, assim como Maduro, deve se comprometer com o fim dos conflitos nas
ruas, mas as demais condicionantes dizem respeito exclusivamente ao governo -
que não demonstrou nenhuma disposição em aceitá-las desde que eclodiu a crise,
em fevereiro.
A estratégia de Maduro é dar a
entender que existe um "setor da oposição" que aceita o diálogo e uma
outra parte que o rechaça, e esta deve ser duramente reprimida, por ser
"golpista". Com isso, Maduro mantém a imagem de um presidente
disposto a negociar, ainda que não tenha feito nenhuma concessão, enquanto
aterroriza sem tréguas as ruas do país, recorrendo a prisões arbitrárias e a
maus-tratos, como comprovaram a Human Rights Watch e a Anistia Internacional.
Não se pode perder de vista que
os protestos são motivados pela ausência de canais institucionais por meio dos
quais os cidadãos podem manifestar suas discordâncias em relação ao governo. A
década chavista eliminou a independência da Suprema Corte, acabou com a
diversidade no Parlamento e calou a imprensa independente. Não restou
alternativa aos descontentes senão ir às ruas.
E não faltam motivos para
protestar. Graças à administração chavista, a inflação está na casa dos 60%, a
escassez é generalizada, o déficit fiscal é incontrolável e as reservas internacionais
estão erodindo rapidamente. O principal símbolo do desastre ainda é a falta de
papel higiênico, mas o vexame é muito mais amplo. Um exemplo recente é a ameaça
das companhias aéreas internacionais de suspender seus voos para a Venezuela.
Graças ao rígido controle de câmbio, as empresas precisam de autorização para
repatriar o dinheiro das passagens vendidas no país, o que lhes é negado desde
2003. O resultado é que o governo deve US$ 4 bilhões às companhias.
Enquanto isso, Maduro usa seus
poderes para consolidar o estado de exceção e criminalizar a oposição, sob o
olhar omisso dos governos dos países da região. O Itamaraty, por exemplo,
parece contentar-se com o fato de que houve disposição das partes para alguma
forma de contato. De fato, dada a polarização no país, é um avanço que tenha
havido reuniões entre governo e oposição. Mas as demandas são de tal forma
inconciliáveis - a oposição quer o desmonte do Estado chavista, enquanto o
governo só aceita discutir o problema da violência e algumas medidas econômicas
- que é ingenuidade esperar avanços, se não houver pressão externa.
Como o Brasil não está disposto
a exercer essa pressão, entre outras razões porque o petismo se aproximou do
chavismo, a frágil iniciativa do diálogo atingiu um previsível impasse,
especialmente porque os chavistas se recusam a fazer qualquer concessão. Em
nota sobre o problema, o Itamaraty tergiversou sobre a descontinuidade do
diálogo e manifestou sua "satisfação" pela rejeição à violência por
ambas as partes - embora as milícias chavistas continuem a atacar os opositores
do regime.
A atitude da diplomacia
brasileira, que nada tem de ingênua, indica que a América Latina está perdendo
sua capacidade de cobrar respeito à democracia na região - uma consequência
trágica da polarização causada pelo bolivarianismo.
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