A democracia de Lula
Carlos Alberto Di Franco* - O Estado de S.Paulo
Documento elaborado pelo
presidente do PT, Rui Falcão, sobre a campanha eleitoral deste ano classifica a
imprensa como "mídia monopolizada, que funciona como verdadeiro partido de
oposição". Segundo o texto, "a disputa eleitoral" vem sendo
marcada "por um pesado ataque ao nosso projeto, ao governo e ao PT da
parte dos conservadores, de setores da elite e da mídia monopolizada". O
ex-presidente Lula, único maestro da orquestra ideológica petista, já tinha
dado o tom ao afirmar que a imprensa é o maior "partido de oposição"
do País. É a música de sempre: eles e nós.
Chocam, e muito, o
autoritarismo e o cinismo que transparecem nas declarações que acabo de citar.
A imprensa é uma instituição genuinamente democrática e não sintoniza, por
óbvio, com projetos hegemônicos e autoritários de poder. O próprio Lula é o
resultado direto de uma sociedade livre e democrática. Sua saga pessoal,
extraordinária, passou por uma imprensa que abriu amplos espaços para um jovem
sindicalista que, então, transmitia uma mensagem renovadora.
Luiz Inácio Lula da Silva,
sobretudo no seu primeiro mandato, teve méritos indiscutíveis. Basta pensar nas
políticas sociais adotadas por seu governo. O Bolsa Família, pilotado com
competência e seriedade pelo ex-ministro Patrus Ananias, foi uma importante
ferramenta de inclusão. Mas era preciso que esse instrumento, aos poucos,
introduzisse seus destinatários na cidadania. Isso não ocorreu. Os programas
sociais, cuja validade não contesto, renderam milhões de votos, mas não fizeram
cidadãos. Só a educação é capaz de transformar eleitores cativos em pessoas
livres, e a educação não foi um quesito valorizado no governo petista. E fica
patético continuar falando da "herança maldita do governo
neoliberal". Somados Lula e Dilma, são 12 anos de PT no poder. Não dá mais
para debitar os problemas em conta alheia.
A última fase do governo Lula,
marcada por constantes e crescentes episódios de corrupção, cumplicidade com
oligarquias nefastas e manifestações de desprezo pelas liberdades públicas,
fizeram com que a imprensa apenas cumprisse o seu dever: informar, apurar,
denunciar. O papel fiscalizador da mídia, algo absolutamente normal em qualquer
democracia do mundo, passou a ser encarado pelos petistas como ação planejada
por "setores da elite e da mídia monopolizada".
Mas, afinal, amigo leitor, o
que a imprensa tem feito para provocar tanto ódio ideológico, tanto rancor,
tanta fúria? A resposta é muito simples: tem informado. A informação
independente, profissional, sem cabresto é algo que incomoda. Nas democracias
há sempre uma tensão entre os políticos e a imprensa. E é bom que seja assim.
Nas ditaduras não é assim. Em Cuba, modelo tão louvado por Lula e matriz do
bolivarianismo, um grupelho manda e o resto obedece. Não há contraponto. Existe
apenas o silêncio imposto pelos opressores. Reconheço que Dilma, não obstante
seu viés ideológico radical e seu despreparo como governante, é diferente.
Honrou seu compromisso de não agressão à liberdade de imprensa.
Irrita-se Lula porque a
imprensa não se cala diante do seu exibicionismo de contradições e desfaçatez.
Em recente entrevista à TV portuguesa, chegou a ponto de interromper a
entrevistadora que queria saber o grau de suas relações com José Dirceu, José Genoíno
e Delúbio Soares. "Não se trata de gente da minha confiança."
Fantástico!
As denúncias da imprensa sobre
os desmandos na Petrobrás, consistentes e sólidas como uma rocha, não provocam
no ex-presidente a autocrítica que se espera de um estadista. Ao contrário. Sua
ordem é "ir para cima" de quem represente um risco para o projeto de
perpetuação do PT no poder.
Incomoda-se Lula porque os
jornais desnudam suas aparentes contradições, que, no fundo, são o resultado
lógico da práxis marxista: o fim justifica os meios. O compromisso com a
verdade é absolutamente desimportante. O que importa é o poder. Em agosto de
2006, quando o escândalo do mensalão estourou, Lula falava: "Quero dizer,
com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo
brasileiro que nós temos de pedir desculpas". Agora, na alucinante
entrevista à TV portuguesa, Lula afirma rigorosamente o contrário: "O
mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão
jurídica". É um ex-presidente da República, responsável pela nomeação de 8
dos 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal, acusando a Corte de
cumplicidade na "maior armação já feita contra o governo".
Não é de hoje a fina sintonia
do petismo com governos autoritários. O Foro de São Paulo, entidade fundada por
Lula e Fidel Castro, entre outros, e cujas atas podem ser acessadas na
internet, mostra que não há acasos. Assiste-se, de fato, a um processo
articulado de socialização do continente de matriz autoritária. E o
ex-presidente da República é um dos líderes - talvez o mais expressivo - dessa
progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas.
Cabe à imprensa, num momento
grave da história da democracia, denunciar a tirania que se tenta armar, mesmo
quando camuflada pela legitimidade das urnas. É preciso denunciar as
estratégias gramscianas de tomada do poder. O papel da imprensa não é estar do
lado do poder e, muito menos, aplaudir unanimidades momentâneas. Nossa função é
mostrar o que é verdadeiro e relevante.
Tentativas de controle dos
meios de comunicação, flagrantemente inconstitucionais, serão repudiadas pela
imprensa séria e ética, pelos formadores de opinião (que não vendem sua
consciência em balcões de negócios) e pela sociedade. Os brasileiros apreciam a
democracia. Assim como condenaram os regimes de exceção, não aceitam projetos
autoritários que, sob o manto da justiça social, anulam um dos maiores bens da
vida: a liberdade.
*Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de
Navarra, é diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de
Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br
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