'Cigarro vendido hoje é mais letal que há 50 anos', afirma Matt Myers
Líder antitabagista ainda critica
decisão do STF em favor de aditivos e diz que governo está do lado da indústria
do fumo
Lígia Formenti - O Estado de
S.Paulo
BRASÍLIA - Presidente da
organização de controle do tabagismo Campanha para Crianças Livres de Tabaco
(CTFK), Matt Myers garante que o cigarro hoje é mais letal do que o vendido há
50 anos. Entre as razões para o aumento do risco, afirma, está a mudança do
design do cigarro, que permite maior absorção da fumaça pelo fumante. Myers,
que esteve no Brasil semana passada, criticou a liminar concedida pelo Supremo
Tribunal Federal suspendendo os efeitos da proibição do uso de aditivos no
cigarro no País. Para ele, o Brasil perdeu a liderança no combate ao tabagismo.
A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.
Por que o cigarro hoje é mais perigoso?
Ao ver que o cigarro passou a ser
relacionado com câncer de pulmão e doenças cardíacas, a indústria tomou medidas
para tentar melhorar a imagem do produto. Mas as mudanças acabaram por aumentar
o risco. Recentes estudos feitos nos Estados Unidos mostram que o risco de o
fumante morrer de causas relacionadas ao cigarro aumentou em relação ao que era
registrado no passado. Artigos mostram, por exemplo, que o risco de desenvolver
câncer de pulmão entre homens fumantes dobrou nos últimos 50 anos e, entre as
mulheres, é cinco vezes maior.
Como se sabe que o aumento nas taxas de morte é provocado pelo cigarro
e não por outros fatores que aumentam o risco de câncer, como a poluição?
Isso foi levado em consideração
nas pesquisas. O aumento do risco de câncer em pulmão é provocado
principalmente pelas mudanças de design dos produtos derivados do tabaco.
E os aditivos?
Ao constatar o aumento da
preocupação da população com a saúde, fabricantes passaram a recorrer aos
aditivos para tentar tornar o contato com a fumaça do cigarro na garganta mais
agradável. A estratégia foi adotada porque fumantes associam a irritação na garganta
ao perigo do produto. O uso de aditivos, ao mesmo tempo que transforma o ato de
fumar em algo mais fácil, confere a falsa impressão de que os cigarros
atualmente são menos perigosos, porque irritam menos. Além disso, a adição
torna o cigarro mais atrativo entre os não fumantes, sobretudo mulheres e
crianças. O primeiro cigarro, tendo uma sensação mais suave, incentiva a
experimentação. E, o mais cruel, depois do primeiro uso não é preciso muito
tempo para que a dependência ao cigarro se desenvolva. Os aditivos permitem à
indústria manipular os consumidores.
O Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente em setembro a
proibição do uso de aditivos feita pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária.
A decisão do STF vai provocar
consequências trágicas para a saúde. A medida da Anvisa havia sido adotada com
base em dados científicos e representa um avanço importante para a política de
combate ao tabagismo. O STF ignorou os estudos.
A indústria afirma que aditivos são indispensáveis.
Isso não é verdade. Lembre-se que
no passado eles afirmavam que seus produtos não provocavam câncer. Nesse caso,
há uma quantidade substancial de dados que mostram que os aditivos são usados
para alterar o impacto negativo e essa mudança aumenta o risco de iniciação de cigarros
entre jovens e o fumo entre mulheres. As evidências científicas que dão base à
Anvisa são avassaladores.
Qual é a opinião do senhor sobre a política de controle do tabagismo
adotada pelo Brasil nos últimos dez anos.
O Brasil foi por muito tempo
líder global na adoção de medidas para redução do tabagismo. Infelizmente,
começou a ficar para trás. Medidas foram aprovadas, mas não foram
implementadas.
O poder da indústria aumentou? O governo está maleável?
É um comentário triste, mas está
muito claro o poder da indústria do tabaco e, ao mesmo tempo, a vontade do
governo brasileiro de colocar os interesses da indústria do tabaco acima dos
interesses da população. Não há outra explicação. Não há nenhuma razão
científica para que o Brasil não avance nas medidas de controle do tabagismo.
A indústria usa como argumento sua importância para economia do País.
O argumento está totalmente
equivocado. O fumo causa doenças e perdas de produtividade. Isso traz um
impacto negativo à economia. Nos Estados Unidos, boa parte dos estudos mostra
que todos os anos são perdidos US$ 250 bilhões em tratamentos relacionados a
doenças provocadas pelo cigarro e em perda de produtividade de trabalho.
Os EUA ainda estudam regras para regular o cigarro eletrônico. Eles são
uma nova ameaça?
Sou favorável à regulamentação.
Além da proibição para venda de menores como foi sugerido, acho importante
regras para propaganda e, sobretudo, para o uso de produtos aditivos.
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