Dilma, carnaval e
cinzas
por Carlos Melo*
Veio o
Natal, acabou o primeiro mandato e o governo ia mal. Entrou o Ano Novo, o novo
mandato também e o governo continuou mal. Passou o carnaval, vem a quaresma e o
governo tende a continuar assim. O governo Dilma vai mal. Uma análise das
cinzas.
A
política é cruel. Talvez, a mais cruel das atividades humanas; e a mais humana
também. Ela lida com o Poder, sem condescendência ou apelação. House of Cardsé
um modelo simplificado. O certo é que
onde há poder, haverá proteção; onde ele falhar, restará um miasma de carniça e
um bando de lobos a devorar, em banquete, a carcaça do líder decaído. Até o
extraordinário Pombal viveu esta sina: alcoviteiro do Rei, Sebastião José
estabeleceu sua vontade e razão sobre o reino, o clero e a nobreza. Morto o
Rei, o Marquês foi escorraçado pela rainha traída. Não sabia Pombal que seu
poder era nada, que emanava, na verdade, de Dom José.
Pois
é, muitos não sabem ou esquecem que o poder que não nasce de si próprio não é
poder. É outorga e concessão; é ilusão. É vendaval.
Se já
não for tarde, Aloizio Mercadante precisa lembrar disto — com urgência: o
suposto poder que expressa não emana de si; é reflexo do frágil poder de uma
presidente que, em algum momento, buscou no espelho a si mesma: “existe alguém
mais poderosa do que eu?” E seu ministro respondeu: “claro que não!” Parecia
música para ouvidos que pouco escutam, como é o caso dos dois. Mas, ambos
erravam feio, é claro.
O
poder de Dilma emanava da economia, da inclusão social, dos automóveis
comprados à prestação, das farras dos cartões de crédito, das compras na 25 de
março ou em Miami. Finda a festa; findo o encanto. Tudo rui e torna-se
precário. Uma sucessão de eventos surge apenas para comprovar o fato: o poder
que parecia forte era frágil. Quase nunca há esperança para tigres desdentados.
Será o caso? Difícil afirmar. O fato é que o Carnaval, definitivamente, acabou
e agora são cinzas.
Nos
últimos dias, a imprensa noticiou, mais que escaramuças internas, um jogo
voraz: Aloizio Mercadante virou alvo de seus companheiros. A caça a um
presumido culpado é sempre sinal de desespero. Para preservar Dilma, sem ordem
nem comando, a alcateia se lançou numa tangente contra o ministro. Faz sentido:
Mercadante é anel; Dilma, os dedos. A impressão que se deu foi de que uma
baixela era reservada para ser adornada com a
cabeça do chefe da Casa Civil. Inadvertidamente ou não, em silêncio a
presidente deixou chiar o azeite em que se fará a pururuca de seu ministro.
Dilma
sabe que está sob ataque: luta em mais de uma dezena de frentes de conflito
simultâneos. Um trabalho para Hércules quando não há mais Hércules. Falta-lhe
flexibilidade, habilidade, estratégia, time e confiança. Nessa velocidade e
trajetória, sua equipe tende ao esfacelamento: críticas internas, mexericos,
tiros amigos, revelações de diálogos que somente os envolvidos diretos deveriam
saber. Tudo revela a crise de comando; o vazio de poder.
A
presidente está emparedada por circunstâncias que construiu, contando, é claro,
com o dócil incentivo adulador de seu ministro. Ainda assim, esse negócio de
“sequestro do governo”, mais que exagero, é diversionismo: no limite,
responsável é quem está ou deveria estar no comando; não o comandado. Dilma não
é Dom José e Mercadante está longe de ser Pombal.
As
margens de manobra da presidente se estreitaram e estão se estreitando. Como
tem sido apontado, o centro de poder político se deslocou do Executivo para o
Congresso Nacional. O governo perdeu a iniciativa e tem perdido a batalha de
comunicação ao mesmo passo em que Eduardo Cunha se impõe e já começa a ser
avaliado como mal necessário. Em terra de cegos, caolho é mesmo estadista.
Aparvalhada
com derrotas no Congresso, problemas na Petrobrás e na economia, uma Dilma
relutante procurou a ajuda de seu criador, Lula. Mas, o ex-presidente não é
Deus. A interlocução que possui com o sistema político tem limites: não basta
recorrer a Sérgio Cabral, Eduardo Paes ou ao governador Pezão; Cunha adquiriu
luz própria e não entregaria a terceiros o capital político que hoje é seu. Por
que o faria? É um jogador que namora o perigo. O que vier — se vier –, quando
vier, se verá. Não adianta especular.
Também
no âmbito do governo, Lula é incapaz de fazer aquilo que Dilma, com
legitimidade formal, não consegue ou não quer empreender. Junto com sua
sucessora, as alternativas do ex-presidente se estreitam: não há mais diálogo
com setores médios urbanos e com os meios de comunicação. Mesmo o movimento
sindical e o funcionalismo tendem a vulcanizarem-se com os efeitos do
inescapável ajuste. No mais, sua capacidade de comunicação com a massa de
deserdados também só será efetiva na proporção em que o ajuste na economia não
atinja os mais pobres por meio do desemprego. Difícil que não ocorra;
complicada equação! Procrastinar o ajuste, tampouco, parece solução.
O
fundo do poço que ainda nem se avista pode muito bem ser falso. Há espaço e gravidade
para continuar caindo. O que virá das delações premiadas ninguém será capaz de
afirmar. Quem será atingido, quem sairá ileso? Como se fosse pouco, o processo
ficará confinado à Petrobrás?
A
quaresma tende a ser longa e de muita provação; Exús estarão soltos. Para a
política será um período de reza, contrição, penitência e mortificações.
Sabe-se lá quão distante no tempo está o final. No sábado de aleluia, quantos
Judas estarão nos postes? Neste Carnaval, malhou-se um “Boneco de Olinda”, dada
sua visibilidade. E ele atendeu pelo nome de Mercadante. Difícil que fique por
ai. Mesmo sem água, as águas vão rolar!
*Carlos Melo, cientista
político. Professor do Insper.
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