Tolerância zero
16 de fevereiro de 2014
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
A intolerância está em toda parte. Na internet
chegou a níveis insuportáveis. Nas ruas manifestações abrigam pistoleiros de
aluguel. A presidente da República reage a críticas com termos de vulgaridade
incompatível com o cargo, desatenta ao fato de que reeleição rima com
reputação.
Na Praça dos Três Poderes os sem-terra tentam
invadir o Supremo Tribunal Federal em conflito cujo saldo foi de 30 feridos,
oito deles em estado grave. A oposição acorda da letargia e vai ao ataque,
enquanto na base governista a revolta se avoluma e no tradicionalmente submisso
setor empresarial a grita é diária e cada vez mais contundente.
À atmosfera ruim acrescenta-se o imprevisível: o
rumo da economia, o risco de a Copa do Mundo se transformar num presente de
grego e uma campanha eleitoral que será tão mais acirrada e conturbada quanto
maior for a redução do favoritismo da presidente Dilma Rousseff. Com isso, o
aumento da probabilidade de o PT se ver em via de voltar à planície.
A tensão aproxima-se do clímax, mas não surgiu de repente
nem nasceu por geração espontânea. É filha legítima da dinâmica beligerante que
o PT imprimiu ao seu modo de governar, tendo Luiz Inácio da Silva como o
comandante em chefe.
O ato de confraternização em que Lula vestiu o boné
do MST logo no início de seu primeiro governo soou como um aval do então
presidente às ações do movimento. Raras as que não tinham caráter violento.
Quando não de agressão física, de ofensa ao direito de propriedade consagrado
pela Constituição.
A sucessora agora repete o ato de fiança aos
renitentes infratores da lei quando os recebe em Palácio no dia seguinte à
promoção de um conflito ali mesmo às portas do Planalto. A motivação? Reatar o
diálogo com o MST, como se fosse conversa o objetivo de quem invade, depreda e
destrói laboratórios de pesquisa.
Dilma retoma, assim, a mecânica conflituosa que
Lula resumiu na expressão "nós contra eles" ao dividir o País entre
apoiadores patriotas e críticos conspiradores.
Não há, pela lógica do governo, opositores. Há
inimigos a serem dizimados. O exemplo "de cima" espalhou-se pirâmide
social abaixo, contaminou os oposicionistas igualmente enraivecidos e fez da
tolerância artigo em extinção.
A ausência de civilidade se generalizou. Não se
trocam ideias, altercam-se insultos.
Sabem o senhor e a senhora do que anda precisando
nosso País? Uma mudança de hábitos. Por exemplo, competência e honestidade são
valores a serem bem pesados e medidos na hora da escolha de governantes.
Mas se a esses atributos acrescentarmos a
familiaridade com bons modos e respeito ao melhor da língua portuguesa, podemos
contar com a expectativa do retorno a um País senão ilusoriamente cordial, ao
menos minimamente civilizado.
Meia-trava. O voto aberto para cassações de
mandatos de parlamentares é providência merecedora de todas as homenagens
recebidas. Convém, contudo, confiar desconfiando.
Levar em conta o outro lado da moeda e aguardar
para conferir se não vai diminuir consideravelmente o número de casos de
pedidos de punição por quebra de decoro parlamentar levados ao Conselho de
Ética, que chegarão ao plenário.
Ou, por outra: como o voto no conselho também é
aberto, o travamento pode se dar nas Mesas Diretoras da Câmara ou do Senado.
As bancadas dos partidos também se esforçarão para
impedir que seus deputados e senadores sejam alvos de processos de cassação. É
uma forma de o Congresso se proteger sem abrir mão do corporativismo.
Militância. A se aceitar a versão do governo de que
os críticos à condução do País se dividem entre pessimistas e oposicionistas,
fica a dúvida sobre a posição do banco central americano.
Se enquadrado na categoria dos pessimistas, não
fica claro qual o interesse do negativismo. Classificados no grupo dos
eleitoralmente engajados, ficam abertas as apostas sobre o número de eleitores
dispostos a votar sob orientação de Mrs. Janet Yellen, presidente do Federal
Reserve.
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