O colapso da vontade
Editorial do jornal O
Estado de S. Paulo – 04/09/16
Ao
contrário do que alardeiam os petistas, o impeachment da presidente Dilma
Rousseff não foi um golpe contra a democracia, mas sim a interrupção do
processo de degradação da democracia, liderado pelo partido que se dizia
campeão da ética na política e que prometia o paraíso da retidão moral contra
“tudo isso que está aí”. Foram mais de dez anos em que o País foi submetido a uma
espécie de lavagem cerebral, por meio da qual se procurou desmoralizar toda
forma de crítica ao projeto lulopetista, qualificando desde sempre seus
opositores como “inimigos do povo” e, ultimamente, como “golpistas”.
Ao mesmo tempo, o PT, sob a liderança
inconteste de Lula, passou todos esses anos empenhado em desmoralizar o
Congresso, oferecendo a partidos e políticos participação no grande plano de
assalto ao Estado arquitetado por aqueles que, tanto na cúpula petista como nos
altos escalões do governo, tinham completo conhecimento do que ocorria. Tudo
isso visava em primeiro lugar não ao enriquecimento pessoal da tigrada, embora
uns e outros tenham se lambuzado com o melado que jorrava de estatais, mas sim
à destruição do preceito básico de qualquer democracia: a alternância no poder.
A corrupção, um mal que assola o Brasil desde o tempo das naus cabralinas,
tornou-se pela primeira vez uma política de Estado e uma estratégia política.
Na mentalidade autoritária petista, a
democracia é e sempre foi um estorvo, pois pressupõe que maiorias eventuais não
podem tudo e devem se subordinar ao que prevê a Constituição, passando
regularmente por testes de legitimidade. Logo, para se manter no poder para
sempre, como pretendia, o PT tratou de proceder à demolição da própria
política, inviabilizando qualquer forma de debate e dividindo a sociedade em
“nós” e “eles”.
Com isso, as vitórias eleitorais, a partir da
chegada do chefão Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, foram tratadas pelos
governantes petistas como prova de que estavam acima de quaisquer limites
administrativos, políticos, éticos e legais – portanto, dispensados de
confirmar sua legitimidade. Desde sua fundação, o PT sempre entendeu que não
deveria se submeter a nenhum limite de natureza institucional porque se
considerava portador da verdade histórica. Com Lula na Presidência, o PT
interpretou os votos que recebeu como uma espécie de realização de sua
superioridade moral – e o partido apresentou-se como o único capaz de entender
e satisfazer os desejos populares.
Foi assim que Lula se apresentou ao País e ao
mundo como o demiurgo capaz de elevar o Brasil à condição de potência mundial
e, de lambuja, transformar os pobres brasileiros em felizes consumidores de
eletrodomésticos, carros e passeios de avião. Munido de grande carisma e de
notória caradura, Lula prometeu um sem-número de obras grandiosas e projetos
miraculosos. Entregou, em vez disso, apenas slogans, discursos e bravatas.
Mas o
País, como que hipnotizado pelo gabola de Garanhuns, deixou-se enlevar por
aquele palavrório vazio e, aparentemente destituído da capacidade crítica, não
apenas reelegeu Lula, como abriu as portas da Presidência da República para a
mais inepta administradora pública de que a história brasileira tem registro.
Dilma Rousseff, no entanto, não pode ser vista como uma aberração. Ela não
existiria politicamente se não fosse Lula, tampouco teria governado do modo
desastroso como governou se não fosse petista. Pois os petistas, como
demonstrou fartamente a agora destituída presidente, acreditam, graças às suas
delirantes fantasias, que dinheiro público surge e se multiplica unicamente em
razão da vontade do governante. Quem quer que ouse questionar essa visão
irresponsável é considerado “invejoso” e “preconceituoso”, como Lula anunciou
certa vez em 2007, ocasião em que disse que “é fácil ajudar os pobres”.
O
impeachment de Dilma e a desmoralização do PT funcionam, portanto, como uma
chance de ouro para o restabelecimento da racionalidade política e
administrativa no País. Mais importante do que isso, o ocaso da era lulopetista
restitui aos brasileiros a própria democracia – imperfeita, incompleta e
carente de reformas, mas certamente preferível aos sonhos autoritários de Lula,
de Dilma e da tigrada.
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