Os economistas
austríacos que refutaram Marx e sua tese de que o trabalho assalariado é
exploração
por Richard Ebeling
Aumentar os gastos
por si só não gera crescimento, e o mundo atual está recheado de exemplos
Políticos adoram declarar publicamente que
sabem qual é o valor do salário mínimo que qualquer trabalhador no país deveria
receber. Só não explicam como chegaram a
esse valor e nem muito menos por que o valor escolhido não pode ser $1 maior ou
menor.
Adicionalmente, todos eles têm uma certeza:
empresários, empreendedores e capitalistas são exploradores sem coração que se
aproveitam da mão-de-obra de alguns de seus trabalhadores não lhes pagando a
"quantia justa" que seu trabalho genuinamente merece.
O que está por trás deste pensamento sobre o
valor "razoável" ou "justo" do salário mínimo é o fantasma
de um pensador que há muito tempo pensava-se que teria sido relegado à lata de
lixo da história: Karl Marx (1818-1883).
A teoria do
valor-trabalho de Marx para o valor de um trabalhador
A concepção de Marx a respeito da
"escravidão salarial" injusta que os capitalistas e empreendedores
impunham a seus trabalhadores tornou-se a premissa e o grito de guerra que
resultaram nas revoluções comunistas do século XX, com toda a sua destruição e
terror.
Marx insistia em que o "valor real"
de qualquer bem produzido era determinado pela quantidade de trabalho empregado
na sua fabricação. Se a produção de um par de sapatos consome quatro horas de
trabalho, e se são necessárias duas horas de trabalho para preparar e assar um
bolo, então a "taxa de câmbio" justa entre essas duas mercadorias
deveria ser a de um par de sapatos por dois bolos. Dessa maneira, esses dois
bens seriam trocados a uma taxa que representa quantidades comparáveis do tempo
de trabalho gasto para produzi-los.
Se o trabalho de um operário produziu,
digamos, três pares de sapatos durante uma jornada de trabalho de doze horas,
então o trabalhador tem o justo direito à propriedade dos três pares de sapatos
produzidos pelo seu trabalho, de modo que ele poderia trocá-los pelos produtos
que quisesse adquirir dos outros trabalhadores.
Contudo, insistia Marx, o capitalista que
contratou o trabalhador não lhe paga um salário igual ao valor dos três pares
de sapatos que este produziu. Isso ocorre, segundo Marx, simplesmente porque o
capitalista é o proprietário da fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas
são a propriedade privada que o trabalhador utilizou para produzir esses
sapatos). Logo, estando estes bens de
produção em propriedade do capitalista e não do trabalhador, o trabalhador tem
de se sujeitar às demandas do capitalista, aceitando assim entregar ao
capitalista uma fatia daquilo que sua mão-de-obra produz — caso contrário,
morrerá de fome no frio.
O empregador paga ao trabalhador um salário
somente igual a, digamos, dois pares de sapatos, desta forma
"roubando" uma parte do seu trabalho.
Assim, na concepção de Marx, o valor de
mercado do terceiro par de sapatos do qual o capitalista se apropriou partir do
trabalho do trabalhador seria a fonte de seu lucro, ou o ganho líquido sobre os
custos de contratar o trabalhador.
Eis aí a origem da noção marxista de
"renda imerecida", que seria a renda que não decorre de ter de
trabalhar e produzir, mas simplesmente de se ser o proprietário de um negócio
privado que emprega trabalhadores que realmente fazem todo o trabalho.
O capitalista, como você vê, não faz nada.
Vive do trabalho dos outros, enquanto fica sentado em seu escritório, com seus
pés sobre a escrivaninha, fumando um charuto (quando ainda era "politicamente
correto" fazer isso). Não é de se surpreender, diante deste raciocínio
sobre o trabalho, os salários e o lucro, que políticos e intelectuais não
tenham apreço por capitalistas e empreendedores.
Carl Menger e o valor
subjetivo das coisas
Karl Marx morreu em 1883, aos 64 anos de
idade. Uma década antes de sua morte, no início dos anos 1870, sua teoria do
valor-trabalho foi derrubada por diversos economistas. O mais importante deles
foi o economista austríaco Carl Menger (1840-1921) em seu livro de 1871,
Princípios de Economia Política.
Menger explicou que o valor de um bem não
deriva da quantidade de trabalho despendida em sua fabricação. Um homem pode
gastar centenas de horas fazendo sorvetes de lama, mas se ninguém atribuir
qualquer serventia a estes sorvetes de lama — e, portanto, não os valorizar o
suficiente para pagar alguma coisa por eles —, então tais produtos não têm
nenhum valor, não obstante as centenas de horas gastas em sua fabricação.
Assim como a beleza, o valor — como diz o
velho provérbio — está nos olhos de quem vê. O valor de um bem é subjetivo:
depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém confere
a esse bem (seja ele uma mercadoria ou um serviço). Se o bem servir para algum fim ou propósito,
então terá valor para ao menos uma pessoa.
Bens, ao contrário do que diz a teoria
marxista, não têm valor por causa da quantidade de trabalho consumida em sua
produção. Por outro lado, uma determinada habilidade de trabalho pode ter
grande valor caso seja considerada útil (como um meio produtivo) para se
alcançar um objetivo que alguém tem em mente.
Adicionalmente, o valor de bens idênticos
decresce à medida que a quantidade delas aumenta. E isso ocorre porque atribuímos a cada
quantidade adicional de um mesmo bem à nossa disposição um propósito menos
importante do que o propósito já atribuído para as unidades previamente
adquiridas desse bem.
Por exemplo, à medida que acrescento camisas
idênticas ao meu guarda-roupa, cada camisa extra em geral terá menos
importância para mim do que as mesmas camisas que comprei anteriormente. Os
economistas chamam isto de "utilidade marginal decrescente dos bens".
Ninguém paga por um
bem mais do que aquilo que considera que ele vale
Assim, não há um valor mínimo
"objetivo" que seja inerente ao ato de trabalhar. Um empregador
contrata trabalhadores porque estes irão ajudá-lo a produzir um produto que
acredita que poderá vender a potenciais consumidores. Na medida em que o empregador
contrata trabalhadores com as mesmas habilidades específicas, cada um desses
trabalhadores é alocado para uma tarefa menos importante do que aquela para a
qual o trabalhador anterior, de mesma habilidade, foi contratado.
Como consequência, nenhum empregador pode
pagar ou irá pagar mais por algum trabalhador do que aquilo que acredita que
seus serviços valem (em termos de agregar valor às suas atividades de
produção).
Sendo assim, o valor de um trabalhador
depende do tanto que o empregador acredita que o bem produzido vale para o
público consumidor, que é quem decide comprar — ou se abster de comprar — o bem
que o trabalhador ajuda a produzir.
Suponha que um empregador acredite que
algumas das pessoas de sua força de trabalho contribuem com não mais do que $ 6
por hora para fabricar um produto que ele espera vender aos consumidores. Se o
governo lhe disser que ele tem a obrigação legal de pagar a cada um de seus
trabalhadores um salário mínimo que não pode ficar abaixo de $ 7,40 ou $ 10,10
por hora, não será nada surpreendente se ele optar por dispensar aqueles
trabalhadores que considera custarem mais do que produzem.
Adicionalmente, outros empregos que poderiam
estar disponíveis por $ 6 por hora nunca chegarão a existir.
Tudo o que um salário mínimo decretado pelo
governo consegue fazer é expulsar do mercado de trabalho aqueles trabalhadores
cuja contribuição para a fabricação de um produto é menor do que o valor que o
governo determinou que deve ser pago a eles.
Mas o que o empregador faz exatamente? No que
ele contribui para o processo de produção, para além do trabalho feito pelos
empregados contratados? Marx, conforme vimos, argumentou que o
"lucro" do capitalista seria o valor daquela fatia da produção do
trabalhador que foi apropriada pelo empregador simplesmente pelo fato de ele
ser proprietário do empreendimento no qual o trabalhador está empregado.
Böhm-Bawerk e a
importância da poupança para a geração de empregos
Outro economista austríaco, Eugen von
Böhm-Bawerk (1851-1914), que desenvolveu muitas das ideias que se originaram
com Carl Menger, respondeu a Marx.
Em uma importante obra em três volumes
intitulada Capital and Interest (1914), e em diversos ensaios, dos quais os
mais importantes foram "Unresolved Contradiction in the Marxian Economic
System" (1896) e "Control or Economic Law" (1914), Böhm-Bawerk
perguntou: de onde vêm os empreendimentos nos quais os trabalhadores são
empregados? E de onde vêm os recursos que garantem o pagamento dos salários dos
trabalhadores?
Como a fábrica foi construída? De onde vem o
capital — as máquinas, ferramentas e equipamentos — das fábricas, com o qual os
trabalhadores contratados realizam seu trabalho para produzir os bens que
eventualmente estarão disponíveis para os consumidores comprarem?
A resposta de Böhm-Bawerk foi que alguém
necessariamente teve de poupar uma parte dos rendimentos obtidos no passado
para, então, utilizar esses recursos poupados na construção da empresa e no seu
aparelhamento com todos os bens de capital necessários, sem os quais o trabalho
de qualquer trabalhador seria consideravelmente muito menos produtivo, com
muito menos quantidades produzidas, e muito mais imperfeito em sua qualidade.
O empreendedor que inicia um empreendimento
tem necessariamente de ou ter economizado os fundos necessários para cobrir
suas próprias despesas de investimento ou ter tomado emprestado de outros que
pouparam o necessário. Alguém teve necessariamente de se sacrificar, de abrir
mão do consumo no presente para que essas economias estejam disponíveis no
futuro para financiar o empreendimento.
Quando o empreendimento for feito, ele poderá então gerar um retorno
financeiro no futuro, quando o produto houver sido fabricado e for vendido.
Um indivíduo só irá abrir mão do seu consumo
no presente se ele for suficientemente compensado com um ganho futuro que faça
valer a pena abrir mão desse consumo e prazer no presente. Poupança é sacrifício e esse sacrifício tem
de ser compensado.
É por isso que são pagos juros. Juros são o preço pago a alguém que optou por
abrir mão do consumo presente para, com isso, obter um valor maior no
futuro. Juros são o preço que arbitram
se os recursos serão consumidos no presente ou investidos para o futuro. Juros são o preço que os poupadores recebem
no futuro por sacrificarem satisfações mais imediatas do presente, até que as
quantias emprestadas sejam pagas de volta.
E o tomador de empréstimo paga esses juros
porque ele valoriza mais o uso que fará do dinheiro e dos recursos que toma
emprestado hoje do que todo o juro que pagará pelo empréstimo no futuro.
Empreendedores e
capitalistas poupam os trabalhadores de terem de esperar pelos seus salários
O fato de empreendedores terem esses recursos
à disposição — sejam eles oriundos de sua própria poupança passada ou de terem
pegado emprestado a poupança de terceiros — significa que aqueles que ele
emprega não terão de esperar até que os bens sejam produzidos e realmente
vendidos para receberem seus salários pelo trabalho que realizaram durante o
período de produção.
O empregador, em outras palavras,
"adianta" aos trabalhadores o valor de seus serviços enquanto o
processo de produção está em andamento, precisamente para aliviar seus
empregados de terem de esperar até que as receitas da venda dos produtos aos
consumidores sejam recebidas no futuro.
O fato de o trabalhador não receber o
"valor total" da produção futura simplesmente reflete o fato de que é
impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um
desconto no valor. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que
os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.
Com efeito, é por isso que é correto dizer
que é o empreendedor quem de fato "faz tudo", pois sem sua disposição
e capacidade para organizar, financiar e dirigir o empreendimento, seus
empregados não teriam trabalho e nem receberiam salários antes que um único produto
fosse fabricado e vendido.
A apreciação deste último ponto é de
importância crucial. O empreendedor não é somente o organizador da empresa e o
investidor que faz tudo acontecer; ele também é quem irá arcar com as
consequências caso não obtenha um lucro pelos seus esforços empresariais.
Empreendedores arcam
com a incerteza de planejar para o futuro
Os trabalhadores e todos os demais que
fornecem ao empreendedor os bens, serviços e recursos necessários para que todo
o processo de produção ocorra recebem seu pagamento enquanto o trabalho está
sendo feito. Já o empreendedor arca com
toda a incerteza sobre se irá ganhar ou não o suficiente com a venda de seus
produtos para cobrir todas as despesas nas quais incorreu. Ele, aliás, nem sequer sabe se conseguirá
vender seu produto.
Ao pagar aos seus empregados os salários que
foram acordados por contrato, o empreendedor os alivia da incerteza a respeito
de se, no final do processo, haverá lucro, prejuízo, ou se a empresa ficará no
zero a zero.
É o empreendedor quem tem de fazer os
julgamentos especulativos e criativos sobre o que produzir e a que preços seus
produtos poderão ser vendidos. A precisão deste juízo empreendedorial em
conseguir antecipar melhor do que seus concorrentes aquilo que seus consumidores
podem querer comprar no futuro, bem como os preços que poderão pagar por esses
bens, é o que determinará o sucesso ou fracasso de seu empreendimento.
Assim, Karl Marx errou completamente ao não
entender o que determina o valor dos bens, o valor dos trabalhadores no
processo de produção, e o papel vital e essencial do empreendedor, que é
realmente quem faz com que as coisas aconteçam.
O mal decorrente das
políticas baseadas em Marx
É de pouca importância se políticos e
intelectuais que vêem trabalho, salários e empreendedores sob uma ótica de
conflito de classes estão cientes do quanto suas concepções a respeito do
capitalismo e do mercado de trabalho são implicitamente derivadas e
influenciadas pelas ruminações obsoletas de um socialista revolucionário de
meados do século XIX.
O que realmente importa é que políticas
econômicas baseadas nesses equívocos marxistas a respeito da natureza e do
funcionamento da economia de livre mercado irão gerar malefícios para aquelas
mesmas pessoas a quem, supostamente, tais políticas deveriam ajudar.
E tais políticas equivocadas destruirão ainda
mais os fundamentos essenciais do sistema de livre mercado, o qual, no decorrer
dos últimos duzentos anos, deu aos homens uma liberdade pessoal e prosperidade
material jamais ocorrida em toda a história humana. São políticas que destroem
a liberdade que as pessoas possuem para trabalhar e se associarem livremente
das maneiras que considerarem mais vantajosas, e que têm o potencial de levar a
sociedade a um caminho ruinoso e conflituoso..
* Richard Ebeling leciona
economia na Northwood University de Midland, Michigan, é um scholar adjunto do
Mises Institute e trabalha no departamento de pesquisa do American Institute
for Economic Research.
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