quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Cadê o multiplicador keynesiano?


Cadê o multiplicador keynesiano?

por Marília Fontes*

Aumentar os gastos por si só não gera crescimento, e o mundo atual está recheado de exemplos

Segundo Keynes, Mantega e Nelson Barbosa, uma política fiscal expansionista teria o poder de reviver o crescimento sustentável e direcionar o PIB ao seu potencial. Neste caso, em um cenário de baixo crescimento ou mesmo recessão, a política indicada para atacar o problema seria uma expansão fiscal.
Keynes explica em seu modelo que um aumento de gasto do governo de R$ 1,00 gera um aumento total do PIB maior que R$ 1,00, e isso se dá pelo efeito do multiplicador. O R$ 1,00 irá para alguém, que pegará parte deste dinheiro (um pedaço vira poupança) e gastará em outro lugar, e este outro lugar gastará em outro lugar, e assim por diante. No final teríamos somado um efeito de, digamos, R$ 1,50 no PIB.
Por conta deste simples modelo que se popularizou brutalmente na década de 1930 durante a Grande Depressão, milhares de governos são até hoje atraídos a executarem políticas expansionistas em períodos de crise.
Os Estados Unidos completaram três “quantitative easying” (programas de recompra em larga escala de títulos públicos e privados) recentemente, pós crise de 2008, injetando US$ 4 trilhões na economia. A Europa também promove um QE de 1,1 trilhão de euros, e o Japão também entrou para o clube anunciando 80 trilhões de ienes de estímulo.
Com tamanha injeção de dinheiro, deveríamos estar nadando em prosperidade. A economia mundial deveria estar pujante e o “animal spirit” do empresariado, aguçado.
Mas, infelizmente, a realidade não se mostra tão positiva. O crescimento mundial continua em queda. Dados do FMI que mostravam alta de 6% do PIB global em 2010 agora esperam apenas 3,4% para 2016.
No Brasil, os dados deste mesmo período foram ainda mais impressionantes. O estímulo do governo na economia foi dos maiores já contabilizados. O superávit médio de 2% que vinha sendo sistematicamente promovido desde 1999 passou para um déficit de 1,9% do PIB. Os gastos do governo cresceram de 30% para 41,5% do PIB.
Como todos sabemos, não há euforia nem desenvolvimento por aqui. O PIB de 2015 deve ficar próximo a -3,8% e para 2016 a expectativa gira próxima dos -3,4%.
Os países agora carregam uma dívida recorde em relação ao PIB e, além do baixo crescimento, temos também a crise no orçamento. Em outras palavras, estamos piores do que estávamos antes.
Mas onde a teoria falhou? Cadê o multiplicador?
Em “Lógica” aprendemos que se as premissas do modelo são falsas, então tudo derivado no modelo pode vir a ser falso também. O argumento derivado de uma premissa falsa é, portanto, falacioso.
O modelo de Keynes não explica de onde viria o dinheiro para o aumento dos gastos do governo. A premissa do modelo é que o governo tem orçamento infinito. Não preciso explicar em detalhes o porquê de isto ser um absurdo.
Na vida real, o aumento de gastos do governo é financiado por três opções, e cada uma delas tem o potencial inverso de gerar recessão de acordo com o modelo do próprio Keynes:
1a) Emissão de Moeda. Esta opção funciona como um “confisco” à medida que reduz o poder de compra de toda a sociedade via inflação. Se eu diminuo o meu poder de compra, eu compro menos e gero menos crescimento.
2o) Aumento de Impostos. Diminui meu consumo que, por sua vez, reduz o efeito multiplicador do aumento de gastos.
3o) Dívida. A dívida terá que ser paga um dia, eventualmente, via aumento de impostos ou emissão monetária. A não ser que o aumento dos gastos do governo seja realizado em setores que sejam de fato produtivos e, portanto, o crescimento posterior gerado (e a receita deste) compense os juros pagos no financiamento.
Para que os investimentos governamentais compensem os juros da dívida e gerem de fato crescimento é esperado que o direcionamento deste capital seja para setores produtivos.
Um bom “mau exemplo” seria o setor de máquinas de datilografar. Suponha que este setor está decadente pois a produção destas máquinas simplesmente não possui mais utilidade para a sociedade. Desta forma, para que se tenha a manutenção dos empregos, a empresa precisaria de um subsídio do governo.
O governo, por sua vez, principalmente em se tratando do nosso antigo Ministro Mantega cede à pressão do setor e subsidia a empresa em troca da manutenção dos postos de trabalho.
O resultado é mais emprego, porém, claramente menor crescimento. Não só o setor em si não irá gerar prosperidade, como a dívida proveniente desses gastos resultará em aumentos posteriores de impostos. Estes aumentos reduzirão o crescimento como um todo, e esta queda do PIB aumentará novamente o desemprego. Ou seja, não tem como escapar do desemprego, se ele acontece porque um setor se tornou obsoleto.
Por estas e outras, na grande maioria das vezes não faz sentido e definitivamente não gera crescimento sustentar empresas que possuem dificuldade de se manter.
Quando dizemos que é importante que se deixe ter desemprego somos considerados “o lado negro da força”.
Mas podemos esclarecer: o percentual de desemprego que seria necessário ocorreria de forma revezada. Isso quer dizer que não fica entre as mesmas pessoas. A maioria das pessoas que conheço já ficou desempregada por algum tempo. E os desempregados vão se revezando até que a economia livremente os aloque na forma mais eficiente possível.
Esta é a forma natural da população escolher quais os produtos são mais importantes para ela e aonde ela precisa que os empregos sejam direcionados para que todos tenham o seu papel e sejam remunerados adequadamente.
O empregado da fábrica de maquinas de datilografar teria que ser liberado do setor decadente e, de acordo com seus potenciais, ser realocado para o setor de produção de smartphones, por exemplo. Por um tempo, ele aparecerá na estatística do desemprego. No futuro, ele estará trabalhando produtivamente em um negócio próspero que se sustenta de forma independente e sem onerar o governo ou os contribuintes.
Resumindo, aumentar os gastos por si só não gera crescimento, e o mundo atual está recheado de exemplos disto. A queda do crescimento e o aumento do desemprego são a forma natural que a economia tem de ajustar recursos de setores não produtivos para setores produtivos.
Quanto o Estado decide fazer este papel, frequentemente, cai na armadilha do setor com necessidade que, não por coincidência, não é o mais produtivo e não retorna o investimento feito pelo governo. Acaba que a armadilha sobra depois para todos os contribuintes via aumento de impostos e crescimento ainda mais baixo.

* Marília Fontes é economista e analista da Empiricus Research



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