Cadê o multiplicador
keynesiano?
por Marília Fontes*
Aumentar os gastos
por si só não gera crescimento, e o mundo atual está recheado de exemplos
Segundo Keynes, Mantega e Nelson Barbosa, uma
política fiscal expansionista teria o poder de reviver o crescimento
sustentável e direcionar o PIB ao seu potencial. Neste caso, em um cenário de
baixo crescimento ou mesmo recessão, a política indicada para atacar o problema
seria uma expansão fiscal.
Keynes explica em seu modelo que um aumento
de gasto do governo de R$ 1,00 gera um aumento total do PIB maior que R$ 1,00,
e isso se dá pelo efeito do multiplicador. O R$ 1,00 irá para alguém, que
pegará parte deste dinheiro (um pedaço vira poupança) e gastará em outro lugar,
e este outro lugar gastará em outro lugar, e assim por diante. No final
teríamos somado um efeito de, digamos, R$ 1,50 no PIB.
Por conta deste simples modelo que se
popularizou brutalmente na década de 1930 durante a Grande Depressão, milhares
de governos são até hoje atraídos a executarem políticas expansionistas em
períodos de crise.
Os Estados Unidos completaram três
“quantitative easying” (programas de recompra em larga escala de títulos
públicos e privados) recentemente, pós crise de 2008, injetando US$ 4 trilhões
na economia. A Europa também promove um QE de 1,1 trilhão de euros, e o Japão
também entrou para o clube anunciando 80 trilhões de ienes de estímulo.
Com tamanha injeção de dinheiro, deveríamos
estar nadando em prosperidade. A economia mundial deveria estar pujante e o
“animal spirit” do empresariado, aguçado.
Mas, infelizmente, a realidade não se mostra
tão positiva. O crescimento mundial continua em queda. Dados do FMI que
mostravam alta de 6% do PIB global em 2010 agora esperam apenas 3,4% para 2016.
No Brasil, os dados deste mesmo período foram
ainda mais impressionantes. O estímulo do governo na economia foi dos maiores
já contabilizados. O superávit médio de 2% que vinha sendo sistematicamente
promovido desde 1999 passou para um déficit de 1,9% do PIB. Os gastos do
governo cresceram de 30% para 41,5% do PIB.
Como todos sabemos, não há euforia nem
desenvolvimento por aqui. O PIB de 2015 deve ficar próximo a -3,8% e para 2016
a expectativa gira próxima dos -3,4%.
Os países agora carregam uma dívida recorde
em relação ao PIB e, além do baixo crescimento, temos também a crise no
orçamento. Em outras palavras, estamos piores do que estávamos antes.
Mas onde a teoria falhou? Cadê o
multiplicador?
Em “Lógica” aprendemos que se as premissas do
modelo são falsas, então tudo derivado no modelo pode vir a ser falso também. O
argumento derivado de uma premissa falsa é, portanto, falacioso.
O modelo de Keynes não explica de onde viria
o dinheiro para o aumento dos gastos do governo. A premissa do modelo é que o
governo tem orçamento infinito. Não preciso explicar em detalhes o porquê de
isto ser um absurdo.
Na vida real, o aumento de gastos do governo
é financiado por três opções, e cada uma delas tem o potencial inverso de gerar
recessão de acordo com o modelo do próprio Keynes:
1a) Emissão de Moeda. Esta opção funciona
como um “confisco” à medida que reduz o poder de compra de toda a sociedade via
inflação. Se eu diminuo o meu poder de compra, eu compro menos e gero menos
crescimento.
2o) Aumento de Impostos. Diminui meu consumo
que, por sua vez, reduz o efeito multiplicador do aumento de gastos.
3o) Dívida. A dívida terá que ser paga um
dia, eventualmente, via aumento de impostos ou emissão monetária. A não ser que
o aumento dos gastos do governo seja realizado em setores que sejam de fato
produtivos e, portanto, o crescimento posterior gerado (e a receita deste)
compense os juros pagos no financiamento.
Para que os investimentos governamentais
compensem os juros da dívida e gerem de fato crescimento é esperado que o
direcionamento deste capital seja para setores produtivos.
Um bom “mau exemplo” seria o setor de
máquinas de datilografar. Suponha que este setor está decadente pois a produção
destas máquinas simplesmente não possui mais utilidade para a sociedade. Desta
forma, para que se tenha a manutenção dos empregos, a empresa precisaria de um
subsídio do governo.
O governo, por sua vez, principalmente em se
tratando do nosso antigo Ministro Mantega cede à pressão do setor e subsidia a
empresa em troca da manutenção dos postos de trabalho.
O resultado é mais emprego, porém, claramente
menor crescimento. Não só o setor em si não irá gerar prosperidade, como a
dívida proveniente desses gastos resultará em aumentos posteriores de impostos.
Estes aumentos reduzirão o crescimento como um todo, e esta queda do PIB aumentará
novamente o desemprego. Ou seja, não tem como escapar do desemprego, se ele
acontece porque um setor se tornou obsoleto.
Por estas e outras, na grande maioria das
vezes não faz sentido e definitivamente não gera crescimento sustentar empresas
que possuem dificuldade de se manter.
Quando dizemos que é importante que se deixe
ter desemprego somos considerados “o lado negro da força”.
Mas podemos esclarecer: o percentual de
desemprego que seria necessário ocorreria de forma revezada. Isso quer dizer
que não fica entre as mesmas pessoas. A maioria das pessoas que conheço já
ficou desempregada por algum tempo. E os desempregados vão se revezando até que
a economia livremente os aloque na forma mais eficiente possível.
Esta é a forma natural da população escolher
quais os produtos são mais importantes para ela e aonde ela precisa que os
empregos sejam direcionados para que todos tenham o seu papel e sejam
remunerados adequadamente.
O empregado da fábrica de maquinas de
datilografar teria que ser liberado do setor decadente e, de acordo com seus
potenciais, ser realocado para o setor de produção de smartphones, por exemplo.
Por um tempo, ele aparecerá na estatística do desemprego. No futuro, ele estará
trabalhando produtivamente em um negócio próspero que se sustenta de forma
independente e sem onerar o governo ou os contribuintes.
Resumindo, aumentar os gastos por si só não
gera crescimento, e o mundo atual está recheado de exemplos disto. A queda do
crescimento e o aumento do desemprego são a forma natural que a economia tem de
ajustar recursos de setores não produtivos para setores produtivos.
Quanto o Estado decide fazer este papel, frequentemente,
cai na armadilha do setor com necessidade que, não por coincidência, não é o
mais produtivo e não retorna o investimento feito pelo governo. Acaba que a
armadilha sobra depois para todos os contribuintes via aumento de impostos e
crescimento ainda mais baixo.
* Marília Fontes é
economista e analista da Empiricus Research
Nenhum comentário:
Postar um comentário