A elite pensante
Marco
Antonio F. Milani Filho*
(Artigo publicado no
jornal Correio Popular – Campinas, em 20/03/15, p. A2)
Vivemos
tempos agitados, porém interessantes. A polarização política fomenta debates
sobre os rumos do país e isso tem, como aspecto favorável, o engajamento da
maior parte da população nesse exercício democrático.
Pessoas
que não se sentiam atraídas a conhecer os meandros da vida pública e a
questionar as decisões dos mandatários, agora se sentem cada vez mais motivadas
a participar ativamente desse processo.
Ao
contrário do que muitos políticos profissionais gostariam, agora o eleitor
comum sai às ruas, protesta, cobra por mudanças e exige postura ética.
Esse
despertar político não tem nada a ver com um suposto terceiro turno ou golpe. Tratam-se
de argumentos falaciosos com viés totalitário daqueles que não querem ser
incomodados até as próximas eleições. Isso chama-se cidadania e é uma expressão
legítima da democracia.
De
maneira preocupante, constatamos que alguns líderes partidários invertem
valores e são incoerentes. Como é possível alguém se declarar democrático e,
simultaneamente, desprezar ou tentar calar aqueles que pensam de maneira
diferente?
É
o que acontece quando se procura estigmatizar os cidadãos descontentes e
indignados com a situação política e econômica rotulando-os de cidadãos de
segunda categoria sem idoneidade moral para pleitear qualquer coisa. Mais que
um desrespeito, essa estigmatização é um atentado contra as liberdades
individuais, a democracia e o bom senso.
Acusa-se
os oponentes de privilegiados e de terem ódio contra os pobres. Será mesmo? Não é desejo de todos
vivermos em uma sociedade baseada em relações de respeito mútuo, confiança nas
instituições, liberdade e com alto nível de bem-estar? Parece que sim e, nesse
sentido, só interessa a existência de miséria e pobreza àqueles que se arvoram
defensores dos mesmos e ganham a vida assim.
São
esses supostos justiceiros sociais que externalizam ira e rancor que acabam
dividindo a sociedade. Odeiam a classe média, odeiam a iniciativa privada,
odeiam a imprensa, odeiam o capitalismo, odeiam isso e aquilo. Sem mencionar
que a maioria deles já integra a classe média ou alta. Contraditório. Odeiam a
si mesmos.
O
discurso rancoroso promovido por esses grupos falsamente democráticos também é
usado para promover tensões com relação a gênero, raça, origem etc. de maneira
que somente suas posições sejam consideradas benéficas e moralmente aceitáveis,
desqualificando os opositores.
Por
fim, uma das palavras mais utilizadas para se tentar apontar o grupo de
cidadãos que manifestam sua repulsa aos inúmeros casos de improbidade contra
governantes e políticos em geral, além do inconformismo com a ineficácia da
gestão econômica deste país, é “elite”.
Sob
essa perspectiva, se alguém manifesta-se contra a corrupção, o aparelhamento do
Estado, o desrespeito às instituições e a desastrosa política econômica, então
faz parte da elite. Resta saber a que elite estamos nos referindo.
Provavelmente, à elite pensante.
A
democracia é um sistema saudável e a liberdade de expressão é um de seus
pilares. Manifestações pacíficas são bem-vindas em qualquer momento.
* Economista. Pós-doutor pela
Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Unicamp.
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