O legado deixado pela Revolução de 32
Edison Veiga
A criação da Universidade de São Paulo (USP), a opção pela
industrialização, o aprendizado da mobilização popular e até a emancipação
feminina. Esses foram os maiores legados indiretos citados por historiadores
sobre o movimento constitucionalista de 1932, cujo aniversário do primeiro dos
87 dias de combate celebra-se hoje, feriado de 9 de Julho, mais importante data
cívica paulista.
O Estado foi derrotado nas trincheiras – com
634 constitucionalistas mortos, conforme atesta o historiador Marco Antônio Villa,
em seu livro 1932: Imagens de uma Revolução -, mas a democracia venceu.
“Entrego o governo de São Paulo aos revolucionários de 1932”, anunciou o
presidente Getúlio Vargas no dia 16 de agosto, ao nomear interventor o civil e
paulista Armando de Salles Oliveira, depois eleito governador pela Assembleia.
Julio
de Mesquita.
As intervenções na política paulista, aliás, motivaram o conflito. O principal
líder civil do movimento foi o jornalista Julio de Mesquita Filho (1892-1969),
então diretor do jornal O Estado de S. Paulo e principal articulador da Frente
Única Paulista. Essa liderança ficou clara em 25 de janeiro de 1932 – cinco
meses antes da eclosão do conflito. Na ocasião, mais de 100 mil pessoas
marcharam da Praça da Sé à sede do Estado, então na Rua Boa Vista, para ouvir a
saudação de Mesquita Filho, que discursou. “Anulada a autonomia de São Paulo, o
Brasil se transformou num vasto deserto de homens e de ideias”, disse, da
sacada da redação.
Foi essa pressão paulista que deixou
pavimentado o caminho para a Constituição de 1934, como pondera o jornalista e
escritor Lira Neto, autor da trilogia Getúlio. Mas os estudiosos vão além
disso, ao apontar o legado do movimento. “Não fosse a Revolução, a Universidade
de São Paulo (USP) não teria sido criada”, diz o sociólogo e escritor José de
Souza Martins. Quando Salles Oliveira assumiu o governo paulista, ele convidou
Julio de Mesquita Filho para coordenar a criação da universidade – inaugurada
em 1934. “Foi uma reação de São Paulo, derrotado nas armas, investir na
educação e na cultura. É a maneira de ‘derrotar o inimigo’ pelo saber.”
Outra consequência foi a opção pela
industrialização, começando por São Paulo. “Vargas não venceu sozinho. Na
verdade, ele venceu perdendo”, diz Martins. “Na Revolução de 1932, ele derrotou
gente como (engenheiro, político e industrial paulista) Roberto Simonsen. Mas,
em acordo não escrito com os derrotados, Simonsen se transformou no principal
assessor informal do governo federal para a industrialização.”
O escritor Lira Neto acredita que o movimento
serviu também para que o povo aprendesse a se unir por uma causa. “Sem entrar
no mérito da questão em si, acredito que a mobilização popular foi um grande
legado”, comenta. “Pois mesmo o movimento tendo partido da elite, ele se espraiou
para o restante da sociedade. Isso contagiou a população como um todo. Todo
mundo se uniu em torno da mesma bandeira, a paulista.”
Estudioso do movimento revolucionário de
1932, o empresário Raul Corrêa da Silva concorda. “Como o Brasil não teve uma
experiência de guerra em sua história, tivemos proclamações da Independência e
da República sem derramamento de sangue, a Revolução de 1932 acabou se tornando
um grande marco para mostrar que com o povo não se brinca.”
Mulher. O estudioso lembra a mudança de
postura da mulher paulista no período, em que a sociedade não costumava ver com
bons olhos quando senhoras deixavam os afazeres domésticos para se embrenhar em
algum trabalho. “A mulher foi constitucionalista. Se antes ela só ficava em
casa, durante a Revolução foi fazer uniformes, foi para as fábricas, foi
produzir material para as batalhas. Houve uma mudança de postura”, defende ele.
“Mas o grande legado foi a democracia. E a lição: se for necessário que São
Paulo vá às armas de novo, São Paulo irá”, afirma. “Há uma frase da época que
diz: ‘São Paulo é a favor do Brasil quando precisa e contra o Brasil se for
preciso’.”
Reportagem publicada originalmente na edição
impressa do Estadão, dia 9 de julho de 2014
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