Militância fanatizada
Marco Milani
(Texto publicado no Jornal Correio Popular, Campinas/SP, em 31/07/17, p. A2)
Quem nunca se deparou com militantes ideológicos se servindo da abordagem maniqueísta para influenciar e persuadir a audiência desavisada? Para esses que acreditam deter o monopólio das virtudes, todos aqueles que não comungam dos mesmos ideais são, por exclusão, seres voltados ao mal, egoístas e injustos.
Nenhum partido político ou sistema econômico é a encarnação do bem e nem os opositores representam necessariamente o mal, mas a busca pelo pensamento hegemônico faz com que hábeis formatadores da consciência alheia incutam em suas vítimas noções equivocadas sobre a realidade para promover a alienação coletiva.
O discurso falacioso utiliza premissas e analogias distorcidas que objetivam capturar o ouvinte, ou o leitor, impondo concepções particulares que não encontram respaldo ou fundamentação nos fatos.
Assim age quem rotula e redefine o significado de posições abstratas como esquerda e direita, dando a entender que a posição de preferência dele seria a justa e correta, enquanto a posição contrária seria o símbolo da injustiça no planeta.
A origem histórica dos termos refere-se à localização dos membros da Assembleia Nacional francesa no período pós-revolucionário do final do século XVIII, em que os membros da burguesia girondina sentavam-se à direita da mesa da presidência, os membros da burguesia jacobina situavam-se à esquerda e, no centro, localizavam-se os representantes burgueses sem posições definidas.
Os girondinos consideravam que as mudanças trazidas pela revolução já estavam adequadas e a nova situação deveria ser mantida, e chegaram a se aliar ao rei, enquanto os jacobinos entendiam que a revolução deveria ser radicalizada. Assim, o termo direita foi associado à conservação dos direitos conquistados e da situação vigente, e esquerda relacionou-se ao aprofundamento revolucionário.
Ainda que exista uma extensa zona nebulosa nessa polarização e na aplicação desses conceitos, modernamente essas duas referências são utilizadas para identificar o grau de intervencionismo estatal defendido por alguém ou por algum grupo. À esquerda posiciona-se quem é a favor do controle estatal da economia e a interferência ativa do governo em todos os setores da vida social, colocando o ideal igualitário acima de outras considerações de ordem moral, cultural, patriótica ou religiosa. À direita, quem é a favor da liberdade política, econômica e de consciência, defendendo as instituições em um estado democrático de direito e os indivíduos contra o intervencionismo estatal, além de destacar valores morais, éticos, religiosos e culturais tradicionais acima de quaisquer projetos reformistas sociais.
A tática militante é, justamente, classificar o outro de maneira absoluta usando a sua limitada visão de mundo dicotômico e valores morais aplicados seletivamente, promovendo e estimulando o antagonismo e, muitas vezes, a violência ao adversário.
Não é incomum a hipocrisia ideológica fazer com que se acuse o outro de se comportar como o próprio acusador se comporta. Intolerantes acusando quem não pensa da mesma maneira como sendo os únicos intolerantes. Não se respeita a liberdade de consciência nem o direito de expressão.
No atual cenário político brasileiro, a polarização apaixonada entre esquerda e direita faz com que líderes acusados ou já julgados e condenados por crimes de corrupção ativa ou passiva sejam tratados como mártires apenas por vestirem as mesmas cores partidárias.
Diferentemente, o cidadão ético e racional, ao constatar que políticos que já receberam o seu voto no passado mas agora mostram-se corruptos e inadequados à vida pública, apoia a respectiva condenação e o ressarcimento dos valores usurpados à sociedade. Não possui políticos de estimação nem se deixa fascinar por discursos vitimistas ou golpistas.
Corruptos são criminosos, sejam eles classificados como de esquerda ou direita. São parasitas sociais e somente a alienação faz com que o cidadão comum se transforme em um militante fanatizado que idolatra políticos populistas, especialmente se esses forem ex-presidentes.
* Marco Milani é Economista, pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor da Unicamp.
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