Método Paulo Freire
ou Método Laubach?
David Gueiros Vieira
O
Método Laubach de alfabetização de adultos foi criado pelo missionário
protestante norte-americano Frank Charles Laubach (1884 – 1970). Desenvolvido
por Laubach nas Filipinas, em 1915, subsequentemente foi utilizado com grande
sucesso em toda a Ásia e em várias partes da América Latina, durante quase todo
o século XX.
Em
1915, Frank Laubach fora enviado por uma missão religiosa à ilha de Mindanao,
nas Filipinas, então sob o domínio norte-americano, desde o final da guerra
EUA/Espanha. A dominação espanhola deixara à população filipina uma herança de
analfabetismo total, bem como de ódio aos estrangeiros.
Frank C. Laubach
(sentado ao centro) com missionários protestantes em Lake Winnipesaukee, New
Hampshire, no ano de 1961.
A
população moura filipina era analfabeta, exceto os sacerdotes islamitas, que sabiam
ler árabe e podiam ler o Alcorão. A língua maranao (falada pelos mouros) nunca
fora escrita. Laubach enfrentava, nessa sua missão, um problema duplo: como
criar uma língua escrita, e como ensinar essa escrita aos filipinos, para que
esses pudessem ler a Bíblia. A existência de 17 dialetos distintos, naquele
arquipélago, dificultava ainda mais a tarefa em meta.
Com
o auxílio de um educador filipino, Donato Gália, Laubach adaptou o alfabeto
inglês ao dialeto mouro. Em seguida adaptou um antigo método de ensino
norte-americano, de reconhecimento das palavras escritas por meio de retratos
de objetos familiares do dia-a-dia da vida do aluno, para ensinar a leitura da
nova língua escrita. A letra inicial do nome do objeto recebia uma ênfase
especial, de modo que aluno passava a reconhecê-la em outras situações,
passando então a juntar as letras e a formar palavras.
Utilizando
essa metodologia, Laubach trabalhou por 30 anos nas Filipinas e em todo o sul
da Ásia. Conseguiu alfabetizar 60% da população filipina, utilizando essa mesma
metodologia. Nas Filipinas, e em toda a Ásia, um grupo de educadores, comandado
pelo próprio Laubach, criou grafias para 225 línguas, até então não escritas. A
leitura dessas línguas era lecionada pelo método de aprendizagem acima descrito.
Nesse período de tempo, esse mesmo trabalho foi levado do sul da Ásia para a
China, Egito, Síria, Turquia, África e até mesmo União Soviética. Maiores
detalhes da vida e trabalho de Laubach podem ser lidos na Internet, no site
Frank Laubach.
Na
América Latina, o método Laubach foi primeiro introduzido no período da 2ª
Guerra Mundial, quando o criador do mesmo se viu proibido de retornar à Ásia,
por causa da guerra no Pacífico. No Brasil, este foi introduzido pelo próprio
Laubach, em 1943, a pedido do governo brasileiro. Naquele ano, esse educador
veio ao Brasil a fim de explicar sua metodologia, como já fizera em vários
outros países latino-americanos.
Lembro-me
bem dessa visita, pois, ainda que fosse muito jovem, cursando o terceiro ano
Ginasial, todos nós estudantes sabíamos que o analfabetismo no Brasil ainda
beirava a casa dos 76% – o que muito nos envergonhava – e que este era o maior
empecilho ao desenvolvimento do país.
A
visita de Laubach a Pernambuco causou grande repercussão nos meios estudantis.
Ele ministrou inúmeras palestras nas escolas e faculdades — não havia ainda uma
universidade em Pernambuco — e conduziu debates no Teatro Santa Isabel.
Refiro-me apenas a Pernambuco e ao Recife, pois meus conhecimentos dos eventos
naquela época não iam muito além do local onde residia.
Houve
também farta distribuição de cartilhas do Método Laubach, em espanhol, pois a
versão portuguesa ainda não estava pronta. Nessa época, a revista Seleções do
Readers Digest publicou um artigo sobre Laubach e seu método — muito lido e
comentado por todos os brasileiros de então, que, em virtude da guerra, tinham
aquela revista como único contato literário com o mundo exterior.
Naquele
ano, de 1943, o Sr. Paulo Freire já era diretor do Sesi, de Pernambuco — assim
ele afirma em sua autobiografia — encarregado dos programas de educação daquela
entidade. No entanto, nessa mesma autobiografia, ele jamais confessa ter tomado
conhecimento da visita do educador Laubach a Pernambuco. Ora, ignorar tal
visita seria uma impossibilidade, considerando-se o tratamento VIP que fora
dado àquele educador norte-americano, pelas autoridades brasileiras, bem como
pela imprensa e pelo rádio, não havendo ainda televisão. Concomitante e
subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas semelhantes às de
Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente. As de Laubach, de
cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à paz social, à ética pessoal, ao
cristianismo e à existência de Deus. As novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia,
davam ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a
conscientização das massas à sua “condição de oprimidas”. O autor dessas outras
cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que emprestou seu
nome à essa “nova metodologia” — da utilização de retratos e palavras na
alfabetização de adultos — como se a mesma fosse da sua autoria.
Tais
cartilhas foram de imediato adotadas pelo movimento estudantil marxista, para a
promulgação da revolução entre as massas analfabetas. A artimanha do Sr. Paulo
Freire “pegou”, e esse método é hoje chamado Método Paulo Freire, tendo o mesmo
sido apadrinhado por toda a esquerda, nacional e internacional, inclusive pela
ONU.
No
entanto, o método Laubach — o autêntico — fora de início utilizado com grande
sucesso em Pernambuco, na alfabetização de 30.000 pessoas da favela chamada
“Brasília Teimosa”, bem como em outras favelas do Recife, em um programa
educacional conduzido pelo Colégio Presbiteriano Agnes Erskine, daquela cidade.
Os professores eram todos voluntários. Essa foi a famosa Cruzada ABC, que
empolgou muita gente, não apenas nas favelas, mas também na cidade do Recife, e
em todo o Estado. Esse esforço educacional é descrito em seus menores detalhes
por Jules Spach, no seu recente livro, intitulado, Todos os Caminhos Conduzem
ao Lar (2000).
O
Método Laubach foi também introduzido em Cuba, em 1960, em uma escola normal em
Bágamos. Essa escola pretendia preparar professores para a alfabetização de
adultos. No entanto, logo que Fidel Castro assumiu o controle total do poder em
Cuba, naquele mesmo ano, todas as escolas foram nacionalizadas, inclusive a
escola normal de Bágamos. Seus professores foram acusados de “subversão”, e
tiveram de fugir, indo refugiar-se em Costa Rica, onde continuaram seu
trabalho, na propagação do Método Laubach, criando então um programa de
alfabetização de adultos, chamado Alfalit.
A
organização Alfalit foi introduzida no Brasil, e reconhecida pelo governo
brasileiro como programa válido de alfabetização de adultos. Encontra-se hoje
na maioria dos Estados: Santa Catarina (1994), Alagoas, Ceará, Distrito
Federal, Goiás, Sergipe, São Paulo, Paraná, Paraíba e Rondônia (1997);
Maranhão, Pará, Piauí e Roraima (1998); Pernambuco e Bahia (1999).
A
oposição ao Método Laubach ocorreu desde a introdução do mesmo, em Pernambuco,
no final da década de 1950. Houve tremenda oposição da esquerda ao mencionado
programa da Cruzada ABC, em Pernambuco, especialmente porque o mesmo não
conduzia à luta de classes, como ocorria nas cartilhas plagiadas do Sr. Paulo
Freire. Mais ainda, dizia-se que o programa ABC estava “cooptando” o povo,
comprando seu apoio com comida, e que era apenas mais um programa
“imperialista”, que tinha em meta unicamente “dominar o povo brasileiro”.
Como
a fome era muito grande na Brasília Teimosa, os dirigentes da Cruzada ABC, como
maneira de atrair um maior número de alunos para o mesmo, se propuseram criar
uma espécie de “bolsa-escola” de mantimentos. Era uma cesta básica, doada a
todos aqueles que se mantivessem na escola, sem nenhuma falta durante todo o
mês. Essa bolsa-escola tornou-se famosa no Recife, e muitos tentavam se
candidatar a ela, sem serem analfabetos ou mesmo pertencentes à comunidade da
Brasília Teimosa. Bolsa-escola fora algo proposto desde os dias do Império,
conforme pode-se conferir no livro de um educador do século XIX, Antônio
Almeida, intitulado O Ensino Público, reeditado em 2003 pelo Senado Federal,
com uma introdução escrita por este Autor.
No
entanto, a ideia da bolsa-escola foi ressuscitada pelo senhor Cristovam
Buarque, quando governador de Brasília. Este senhor, que é pernambucano, fora
estudante no Recife nos dias da Cruzada ABC, tão atacada pelos seus
correligionários de esquerda. Para a esquerda recifense, doar bolsa-escola de
mantimentos era equivalente a “cooptar” o povo. Em Brasília, como “ideia genial
do Sr. Cristovam Buarque”, esta é hoje abençoada pela Unesco, espalhada por
todo o mundo e não deixa de ser o conceito por trás do programa Fome Zero, do
ilustre Presidente Lula.
O
sucesso da campanha ABC — que incluía o Método Laubach e a bolsa-escola — foi
extraordinário, sendo mais tarde encampado pelo governo militar, sob o nome de
Mobral. Sua filosofia, no entanto, foi modificada pelos militares: os
professores eram pagos e não mais voluntários, e a bolsa-escola de alimentos não
mais adotada. Este novo programa, por razões óbvias, não foi tão bem-sucedido
quanto a antiga Cruzada ABC, que utilizava o Método Laubach.
A
maior acusação à Cruzada ABC, que se ouvia da parte da esquerda pernambucana,
era que o Método Laubach era “amigo da ignorância” — ou seja, não estava ligado
à teoria marxista, falhavam em esclarecer seus detratores — e que conduzia a
“um analfabetismo maior”, ou seja, ignorava a promoção da luta de classes, e
defendia a harmonia social. Recentemente, foi-me relatado que o auxílio doado
pelo MEC a pelo menos um programa de alfabetização no Rio de Janeiro — que
utiliza o Método Laubach, em vez do chamado “Método Paulo Freire” — foi
cortado, sob a mesma alegação: que o Método Laubach estaria “produzindo o
analfabetismo” no Rio de Janeiro. Em face da recusa dos diretores do programa
carioca, de modificarem o método utilizado, o auxílio financeiro do MEC foi
simplesmente cortado.
Não
há dúvida que a luta contra o analfabetismo, em todo o mundo, encontrou seu
instrumento mais efetivo no Método Laubach. Ainda que esse método hoje tenha
sido encampado sob o nome do Sr. Paulo Freire. Os que assim procederam não
apenas mudaram o seu nome, mas também o desvirtuaram, modificando inclusive sua
orientação filosófica. Concluindo: o método de alfabetização de adultos, criado
por Frank Laubach, em 1915, passou a ser chamado de “Método Paulo Freire”, em
terras tupiniquins. De tal maneira foi bem-sucedido esse embuste, que hoje será
quase que impossível desfazê-lo.
Referências
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GONZALES,
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(s.d.).
GONZALES,
Luiza Garcia de. Manual para preparação de alfabetizadores voluntários. 3ª ed.,
Alfalit Brasil, Rio de Janeiro, 1994.
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John Milton. As sete leis do ensino. 7ª ed., Rio de Janeiro, JUERP, 1994.
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Howard. Ensinando para transformar vidas. Ed. Betânia, Belo Horizonte, 1999.
LAUBACH, Frank C.. Os milhões
silenciosos falam. s. l., s.e., s.d.
MALDONADO,
Maria Cereza. História da vida inteira. Ed. Vozes, 4ª ed., SP, 1998.
SMITH,
Josie de. Luiza. Ed. la Estrella, Alajuela, Costa Rica, s.d.
SPACH,
Jules. Todos os Caminhos Conduzem ao Lar. Recife, PE, 2000.
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