A Justiça e os baderneiros
Editorial do Jornal O Estado de São Paulo – p. A3 – 04/08/2016
Na
mesma semana em que alunos da Unicamp invadiram a reunião do Conselho Universitário
para protestar contra o corte do ponto de servidores em greve desde maio e
organizaram piquetes para tentar obstruir o início do semestre letivo, o juiz
Guilherme Fernandes Cruz, da 9.ª Vara Civil de Campinas, acolheu uma ação por
dano moral impetrada pelo professor Serguei Popov, do Instituto de Matemática,
Estatística e Computação Científica, contra os estudantes que o têm impedido de
dar aula, batendo bumbo na sala de aula e apagando o que escreve no quadro
negro. O magistrado também determinou a retirada das redes sociais de textos e
imagens ofensivas ao docente, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia. Foi a
primeira vez na história da Unicamp que um professor recorreu à Justiça sem
medo das retaliações dos grupelhos radicais. Com a decisão, a maioria dos
alunos defendeu o fim de qualquer tipo de protesto e a retomada das aulas.
Infelizmente,
atos de baderna não são raros nas universidades públicas paulistas. Desde que
um pequeno grupo de alunos e servidores da USP, Unicamp e Unesp entrou em greve,
há três meses, portões de acesso aos campi têm sido trancados, prédios
administrativos têm sido ocupados e depredados e batucadas impedem os
professores de lecionar. Em algumas unidades, o barulho é tanto e as agressões
morais são tão violentas que docentes não conseguem permanecer em suas salas.
Nas
três universidades públicas estaduais, esses grupelhos de estudantes e
servidores manipulados por pequenos partidos de esquerda radical justificam o
vandalismo e as agressões morais em nome da luta pela implantação de democracia
direta. Segundo eles, suas “intervenções em sala são discutidas coletivamente
em assembleia e têm como objetivo central a discussão democrática e a garantia
de que nenhum grevista será prejudicado com a aplicação de provas, trabalhos e
faltas”.
Numa
afronta à ordem jurídica, também afirmam que “as greves por si sós já preveem
que as aulas não aconteçam e, portanto, quem insiste em contrariar essa decisão
estaria desrespeitando o direito de greve, tentando impor o interesse
individual sobre a decisão coletiva e democrática”. E ainda acusam os
dirigentes universitários de se negarem a “discutir” as reivindicações. O
problema é que, por serem irrealistas, elas foram formuladas para não serem
atendidas, dando a esses grupelhos o pretexto para praticar agressões e
vandalismos. Apesar da grave crise financeira de todo o setor público, os
servidores querem reajustes salariais e mais vagas em creches e os estudantes
pedem mais alojamentos e restaurantes. O denominador comum dos protestos das
duas categorias é a acusação de que o governo estadual estaria “desmontando” a
USP, a Unicamp e a Unesp.
O
desgaste das reivindicações e a banalização das agressões, intimidações e
ocupações são apenas um dos lados do problema. O outro lado é a invocação de um
arremedo de democracia direta como manto que oculta a defesa de ideologias
autoritárias e a usurpação, por assembleias controladas por minorias radicais,
de direitos e deveres estabelecidos pela Constituição. Qualquer reação das
autoridades com base na lei é convertida em denúncia de “criminalização” do
movimento estudantil. Qualquer pedido judicial de reintegração de posse é
classificado como arbítrio. A tentativa de aplicação de sanções a quem afronta
regimentos e leis é denunciada como opressão. E os professores que manifestam
nos órgãos colegiados sua indignação com esse estado de coisas se tornam
vítimas de ataques à sua honra pelas redes sociais.
No
Estado de Direito, demonstrações de intolerância e radicalismo como essas não
podem ser toleradas, sob o risco de destruir não só as mais importantes
universidades do País, mas, também, as instituições democráticas. Por reafirmar
essa lição básica e impedir que minorias radicais continuem tumultuando os
campi universitários, a decisão do juiz da 9.ª Vara Civil de Campinas não
poderia ter vindo em melhor hora.
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