quinta-feira, 2 de julho de 2015

A tragédia que não é só grega


A tragédia que não é só grega

Marco Milani*

Publicado no Jornal Correio Popular (Campinas), 02/07/15, p. A2

Os mercados financeiros do mundo sentem os reflexos da difícil situação econômica grega, uma vez que é a moeda comum, adotada por 19 países europeus, que será afetada diretamente pelo desenrolar dos fatos.
A deterioração das contas nacionais não é um fenômeno recente. Nos últimos cinco anos o Produto Interno Bruto da Grécia recuou cerca de 25%, aliado aos aumentos significativos da dívida pública e da taxa de desemprego. Os últimos pacotes de auxílio econômico recebidos estavam condicionados ao esforço de ajustes fiscais necessários, porém com forte resistência popular.
Em 2015, a Coligação da Esquerda Radical venceu as eleições ao governo grego baseada em promessas socialistas que se distanciam, em muito, da realidade. Não é possível recuperar a economia do país e permanecer na Zona do Euro sem cortes profundos nos gastos públicos e isso segue a óbvia noção de que não se pode continuar gastando mais do que se arrecada.
Na lógica socialista do primeiro-ministro Alex Tsipras, entretanto, isso é ilusoriamente possível. Basta os credores continuarem emprestando sem garantia alguma de que receberão esse dinheiro de volta. Se os credores se recusarem a fornecer novos empréstimos, então estará caracterizado que eles são opressores capitalistas que querem prejudicar o povo grego.
Para não assumir a inviabilidade de suas promessas de campanha, Tsipras transfere a responsabilidade de se continuar ou não na Zona do Euro à população por meio de um referendo.
Na história, é comum que países enfrentem crises econômicas e procurem solucioná-las escolhendo caminhos nem sempre semelhantes entre si, experimentando erros e acertos. Os diversos planos econômicos que tivemos no Brasil na década de 1980 até chegarmos ao Plano Real, em 1994, são exemplos gravados na memória de muitos cidadãos.
Em todas as soluções, porém, está presente o componente político. Caso a orientação ideológica dos líderes do Governo não favoreça a adoção de medidas racionais e viáveis, então o discurso fantasioso e populista agravará ainda mais o problema e servirá de justificativa para medidas intervencionistas na economia.
O desafio a ser enfrentado pelo atual governo grego é o reconhecimento de que sem a austeridade fiscal a situação ficará pior, pois não haverá recursos externos para suprir as próprias necessidades internas. Portugal e Irlanda vivenciaram, recentemente, momentos em que também tiveram que optar por um futuro economicamente mais equilibrado por meio de ajustes fiscais no curto prazo.
A contradição entre o utópico e o real insiste em desnudar propostas calcadas em modelos sociais economicamente inviáveis.
Se a Grécia não participasse da Zona do Euro, certamente sua crise teria repercussão bem menor nos integrados mercados financeiros do planeta. Tal situação, entretanto, serve de alerta para todos os países que elegem governantes baseados em falaciosos discursos sociais descomprometidos com os fundamentos econômicos e que tentam culpar, de maneira escapista, o ambiente externo pelos problemas internos.

* Economista. Pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha). Professor da Unicamp.


Fonte: Jornal Correio Popular, 02/07/15, p. A2

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