quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Considerações sobre a verdadeira pesquisa científica


 Considerações sobre a verdadeira pesquisa científica

 

Marco Milani

 

A epistemologia, enquanto campo de estudo que investiga a natureza, a produção e os limites do conhecimento, possui um papel essencial na caracterização de uma pesquisa científica.

Desde Aristóteles até os pensadores contemporâneos como Karl Popper e Thomas Kuhn, o desenvolvimento da ciência tem sido norteado por discussões sobre a veracidade, confiabilidade e validade dos processos investigativos. A distinção entre o que poderia ser considerado uma pesquisa verdadeira e uma falsa é, dessa maneira, uma questão epistemológica central, que vem desafiando gerações de estudiosos sobre a integridade do conhecimento científico e que exige a aplicação de métodos rigorosos e critérios éticos e lógicos.

O que define uma pesquisa verdadeira não é apenas a sua conformidade com os métodos aceitos, mas também sua capacidade de gerar conhecimento confiável e verificável. Segundo Popper (2007), uma das características principais de uma pesquisa é sua capacidade de ser falsificável, ou seja, de apresentar proposições que possam ser testadas e potencialmente refutadas. Para Popper, a ciência não progride pela aceitação de hipóteses, mas pela eliminação de falsidades através de testes rigorosos. Nesse sentido, a pesquisa verdadeira é marcada pela abertura ao questionamento e pela possibilidade de ser replicada e examinada criticamente por outros pesquisadores.

Em contrapartida, uma pesquisa falsa, ou pseudociência, careceria de rigor metodológico e, frequentemente, de transparência. Tais pesquisas são marcadas pela ausência de dados confiáveis e pela não observância das regras do método científico. Feyerabend (2011), embora crítico de um rígido formalismo científico, ressalta que a pesquisa que não segue um padrão mínimo de controle e não se submete ao teste da falsificabilidade está fadada a gerar conhecimento duvidoso. Segundo o autor, a ciência precisa de certa flexibilidade, mas, ao se desviar completamente dos princípios investigativos, a pesquisa corre o risco de se tornar falaciosa e enganar os leitores e, indiretamente, a sociedade como um todo.

A pesquisa verdadeira é construída sobre fundamentos epistemológicos sólidos, o que implica uma postura objetiva e imparcial por parte do pesquisador. A objetividade é um valor fundamental, logo a ciência deve se fundamentar em dados e evidências, e não em conjecturas ou interesses pessoais. Nesse sentido, a pesquisa verdadeira requer que o pesquisador adote uma posição neutra e se baseie em evidências observacionais ou experimentais sólidas.

Ao contrário do que pseudopesquisadores poderiam adotar, a neutralidade não é uma simples declaração de isenção, mas uma postura intelectualmente honesta que analisa as afirmações contrárias com o mesmo rigor daquelas que estejam em desacordo com suas pressuposições.

As metodologias utilizadas em uma pesquisa verdadeira seguem etapas rigorosas, como a formulação de hipóteses claras, coleta de dados controlada e análise sistemática. A pesquisa falsa frequentemente negligencia esses princípios. Um exemplo clássico é o uso de amostras tendenciosas ou pequenas, que comprometem a validade dos resultados e tornam as conclusões problemáticas. Lakatos (1970) argumenta que uma pesquisa científica robusta deve estar embasada em um programa de pesquisa, ou seja, um conjunto de teorias e métodos que podem ser continuamente desenvolvidos e testados. Quando a pesquisa se desvia dessa estrutura, ela se aproxima da pseudociência.

Outro ponto fundamental de distinção é a transparência na divulgação dos dados e métodos. Uma pesquisa verdadeira é aberta e transparente, permitindo que outros pesquisadores possam verificar e replicar seus achados. Kuhn (1998) descreve o progresso da ciência como uma série de revoluções paradigmáticas, nas quais o conhecimento avança por meio de mudanças radicais e inovações teóricas. No entanto, ele ressalta que a base desse progresso é o escrutínio público e a revisão pelos pares, algo que está ausente na pesquisa falsa. A revisão por pares é um mecanismo essencial para a validação do conhecimento científico, já que possibilita que outros especialistas avaliem a validade da pesquisa e seus achados.

A falta de clareza metodológica também é um dos entraves para a pesquisa, pois não garante que os resultados não sejam apenas fruto de um acaso ou de manipulações intencionais. Popper (2007) defendeu que a reprodutibilidade é um dos pilares do conhecimento científico, uma vez que a ciência se baseia em experimentos controlados que podem ser realizados por diferentes pesquisadores em diferentes contextos.

A ética científica também é um critério importante para diferenciar pesquisa verdadeira de falsa. Muitas pesquisas falsas estão associadas a conflitos de interesse não divulgados, o que compromete a sua validade.

O avanço da ciência depende de uma constante vigilância sobre os critérios epistemológicos que garantem a veracidade e a confiabilidade das investigações científicas, sendo fundamental que a comunidade acadêmica continue a defender esses valores em suas práticas.

 

Referências

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

FEYERABEND, P. Contra o Método. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.

LAKATOS, I. Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Orgs.). Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1970.

MERTON, R. The Sociology of Science: Theoretical and Empirical Investigations. Chicago: University of Chicago Press, 1973.

POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 2007.