Da missa a metade*
Luiz felipe Pondé
Tenho
acompanhando a polêmica da PUC e a proibição da cátedra Foucault. Mas, se
formos falar da liberdade de pensamento que a universidade supostamente defende
(e que foi apontada pelos colegas que criticaram a PUC duramente), não me
parece que o assunto seja tão simples. E não me refiro apenas a universidades
ligadas a instituições religiosas. As públicas também caçam suas bruxas.
Numa
frase: não existe liberdade de pensamento na universidade. Isso é uma falácia.
A universidade corre o risco de virar um celeiro de crenças ideológicas,
vendidas aos alunos como "saber".
Esta
suposta liberdade de pensamento, que oporia aqui a Igreja Católica a uma
universidade livre, é matéria de dúvida para qualquer um que conheça a
realidade universitária. Não existe liberdade de pensamento na universidade e a
igreja está longe de ser o maior ator em termos de "censura".
Voltemos
ao contexto: a Igreja Católica proibiu a instalação de uma cátedra Foucault na
PUC. Cátedras são instrumentos de poder na universidade. Uma cátedra significa
a difusão de uma visão de mundo. E de verbas, claro.
Levantemos
alguns cenários sobre o tema da liberdade na universidade. A afirmação de que
existe uma universidade livre, sendo "oprimida" por instâncias
religiosas (no caso específico da PUC ), "não é da missa a metade"
quando falamos de "censura" à liberdade de ação na academia em geral.
Sim, limites teológicos para o conhecimento são ruins mesmo, concordo. Mas, a
universidade está longe de ser uma instituição livre, por causas internas à
própria máquina acadêmica.
Primeiro
cenário. Muitos dos que criticaram a PUC em nome de uma universidade secular e
aberta, suspeito, não resistiriam a questões como: que tal fundar uma cátedra
Edmund Burke em política em algum departamento de filosofia? Ou Michael
Oakeshott? Ou Isaiah Berlin? Ou Leo Strauss? Esses mesmos que berram em nome da
liberdade usariam falsos adjetivos como "reacionários" para esses
autores (o que é pura má fé ou ignorância pura e simples).
Por
que esses autores quase não existem em nossos departamentos de filosofia?
Pesquisas sobre autores como esses podem custar a carreira de jovens filósofos.
Logo, discordância ideológica é "censura" na universidade.
Segundo
cenário. Imagine uma professora X, muito produtiva e reconhecida. Agora imagine
que ela quisesse fundar uma cátedra são Tomás de Aquino numa universidade
católica. Provavelmente, ela teria a bênção da igreja. Mas, nem por isso, o
caminho dela estaria aberto.
Caso
ela tivesse desafetos dentro da instituição, provavelmente, teria seu caminho
para a cátedra impedido por jogos políticos nos órgãos colegiados. Uma penca de
instrumentos "legítimos" seria jogada sobre ela para que não
realizasse seu propósito. Mesmo atividades como colóquios e similares poderiam
ser inviabilizadas (sempre por meio de mecanismos "legítimos"). Logo,
desafetos políticos são uma forma de "censura" na universidade.
Terceiro
cenário. Quantas vezes professores já tiveram suas aulas invadidas por grupos
autoritários que se dizem "pela liberdade"? No âmbito dos movimentos
estudantis, desde muito tempo, a liberdade de pensamento é uma senhora caçada a
pauladas. Bullying ideológico é um fato entre os estudantes.
Quarto
cenário. O caso da Federal de Santa Maria, que pediu uma lista de docentes e
discentes israelenses ligados à instituição. Como não ver o bom e velho
antissemitismo por trás da investida de buscar identificar uma lista de
pesquisadores israelenses ligados à instituição?
Cadê
os "indignados" de plantão? Ou a suposta "causa palestina"
justifica a discriminação de israelenses/judeus no Brasil? A parceria entre
grupos estrangeiros e grupos locais a fim de perseguir israelenses é
"justa" para os "indignados"? Aliás, movimentos estudantis
e acadêmicos foram agentes essenciais nos governos fascistas.
Vemos,
assim, que "instituições do saber", muitas vezes, são agentes
importantes na disseminação de "censura" política. Pergunto: na
universidade, quem tem moral para posar de paladino da liberdade?
* Publicado no jornal Folha de S.Paulo – 15/06/15
– p. C8)
Nenhum comentário:
Postar um comentário