ESPIRITUALIDADE E CIÊNCIA: POR QUE TANTO BARULHO?
Marco
Milani
(Texto publicado no jornal Gazeta de Limeira, em 02/04/19, p.11)
Desde
o anúncio recente que o físico brasileiro Marcelo Gleiser foi
agraciado com o prêmio da Fundação John Templeton, direcionado
àqueles
com contribuições excepcionais para a afirmação da dimensão
espiritual da vida, seja por meio de insights,
descobertas ou obras práticas, observa-se na mídia e em redes
sociais diferentes tipos reações.
Certamente,
aqueles que conhecem a trajetória e publicações do autor, podem
ponderar, com
ou sem ressalvas,
sobre a relevância de tal reconhecimento público.
Muitos,
ainda que desconheçam o trabalho de Gleiser, enaltecem o fato por se
tratar de um prêmio com visibilidade internacional concedido pela
primeira vez a um brasileiro.
Outros,
independentemente da produção intelectual do premiado, aproveitam a
notícia para defender certezas e convicções particulares sobre
espiritualidade e ciência. Não é incomum encontrar, nesse último
grupo, exaltados de diferentes matizes.
Espiritualidade,
em sentido amplo, envolve questões existenciais e éticas do ser
humano, bem como o seu relacionamento
com o sagrado ou transcendental. Modernamente,
a relação entre espiritualidade e qualidade de vida tem sido
estudada e evidenciada em diversas investigações científicas no
mundo inteiro,
principalmente na área da saúde.
Destaca-se
que a espiritualidade não implica, necessariamente, na adoção de
práticas ou aceitação de dogmas religiosos. Dessa maneira, a
espiritualidade é um conceito mais abrangente do que religiosidade e
não é adequado tomar a parte pelo todo. Alguns, entretanto,
enviesam o significado das palavras para trazer à tona um conflito
histórico entre a concepção racional contra a interpretação
mística e supersticiosa da
realidade.
O
barulho após o anúncio da premiação de Gleiser é, justamente, a
exaltação de certos
religiosos
que
possuem uma compreensão própria e limitada de espiritualidade,
supondo
que a
transcendência mística foi reconhecida e incorporada no
conhecimento científico. Para
eles, o prêmio seria um instrumento
de propaganda espiritualista.
Por
outro lado, há
a
exaltação daqueles que igualmente
confundem
espiritualidade com dogmas religiosos e
incomodam-se
e classificam estudos que tratam dos aspectos espirituais do
indivíduo como pseudociência. Demonstram,
a
priori,
aversão
aos princípios
e valores
religiosos (sejam
eles quais forem)
e
supõem que tudo o que se afasta do empirismo não pode ser uma
expressão legítima de conhecimento científico.
Para
eles, o prêmio seria um atentado à razão e
ao materialismo.
O
fanatismo pode se manifestar em todos os lados, seja de
espiritualistas ou materialistas.
Marcelo
Gleiser se considera agnóstico e
não professa uma religião específica. Dentre as justificativas
para a premiação, Heather Templeton, presidente da fundação,
afirmou que o físico brasileiro contribui, significativamente, para
se avançar no conhecimento humano
unindo
as perspectivas científicas e filosóficas, bem como a espiritual,
de
forma
complementar.
Ao
se buscar desvendar a realidade, qualquer posição que desconsidere
os fatos e não se sirva de um método lógico para a produção de
conhecimento enfrentará problemas de fundamentação. A
crendice supersticiosa ou
o fanatismo materialista são expressões da fé cega.
Afinal,
o que representa o prêmio para Gleiser? O reconhecimento e
visibilidade de seu trabalho, incentivando oportunidades futuras de
exposição pessoal, além de R$5,5 milhões.
Ao
público em geral, vale a pena refletir sobre o tema e buscar
compreender o conceito de espiritualidade e como a aplicação
prática de princípios e valores espirituais pode influenciar
positivamente a vida de cada um. A
ciência investiga essas relações por meio de grupos de
pesquisadores empenhados em aprofundar essa compreensão sob a ótica
racional, ainda que esses mesmos pesquisadores encontrem resistência
em pares comprometidos em reviver o embate entre as crenças
superticiosas da Idade Média e o despertar do pensamento científico.
*
Marco Milani é Economista, pós-doutor pela Universidade de
Salamanca (Espanha) e professor da Unicamp.